segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Meu coração sofre todas as urgências (Nélida Piñon)

Procuro entrevistas na internet. João Ubaldo Ribeiro ao Entrelinhas, quando do lançamento de O Albatroz Azul, um dos seus mais recentes romances. Gostei da descontração da passagem em que ele conta sobre a campanha de Jorge Amado pela sua dele entrada na Academia Brasileira de Letras, e o encanto do autor de Mar Morto pelo aparelho de fax. Cita Picasso: "a arte é uma mentira através da qual se vê uma verdade". Na Globonews, fala do processo de criação de seus principais livros, entre eles Sargento Getúlio, e do exagero que considera certas referências a Viva o Povo Brasileiro. Sobre a Europa (João viveu em Berlim): "sofre um processo de revertério da colonização, que é a invasão do continente por cidadãos africanos e asiáticos provenientes de países que ela mesmo, a Europa, inventou".

No documentário sobre Rachel de Queiroz causou-me espécie a recorrente repulsa que ela declara ter por seus livros, em especial O Quinze, Dôra, Doralina e o Memorial de Maria Moura. Tive o juízo acerca desta escritora prejudicado pela antológica cena de Caio Fernando Abreu no Roda Viva quando, claramente, ele faz menção ao passado integralista de Rachel. Há que se ler, mais e melhor, a cearense. Não posso dizer o mesmo de Caio.

Esta edição do Veias Abertas, da Paz e Terra, de 1987, traz um posfácio do próprio autor, de aproximadamente vinte páginas, sobre suas considerações acerca do tema sete anos depois da primeira edição, de 1976. Vamos a ele, pois. A parte que antecede o posfácio (o final do livro) termina assim: "Há aqueles que crêem que o destino descansa nos joelhos dos deuses, mas a verdade é que trabalha, como um desafio candente, sobre a consciência dos homens". Um estilo filósofico a divergir do jornalístico adotado durante toda a narrativa, como aqui: "Para ganhar o que um operário francês percebe em uma hora, o brasileiro tem que trabalhar, atualmente, dois dias e meio. Com pouco mais de dez horas de serviço, o trabalhador norte-americano ganha, em equivalência, um mês de trabalho do carioca. E para receber um salário superior ao correspondente a uma jornada de oito horas do operário do Rio de Janeiro, é suficiente que o inglês e o alemão trabalhem menos de 30 minutos".

O posfácio, então: "A resposta mais estimulante não veio das páginas de algum suplemento literário de jornal, senão que de alguns episódios reais ocorridos na rua. Por exemplo: a moça que ia lendo o livro para sua companheira de assento e acabou pondo-se de pé e lendo em voz alta para todos os passageiros enquanto o ônibus atravessava as ruas de Bogotá; ou a mulher que fugiu de Santiago do Chile, nos dias da matança, com o livro envolto nas fraldas do bebê; ou ainda o estudante que durante uma semana percorreu as livrarias da rua Corrientes de Buenos Aires e foi lendo de pedacinho em pedacinho, de livraria em livraria, porque não tinha dinheiro para comprá-lo".
"A linguagem hermética nem sempre é o preço inevitável da profundidade. Em alguns casos pode estar simplesmente escondendo uma incapacidade de comunicação, elevando-a à categoria de virtude intelectual".


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