domingo, 1 de janeiro de 2012

Avançavam, parados, dentro da luz, como se fosse no dia de Todos os Pássaros (Guimarães Rosa)

A morte do jornalista e escritor Daniel Piza, aos 41 anos, vítima de derrame cerebral no penúltimo dia do ano em Gonçalves, Minas Gerais (aqui pertinho), onde estava hospedado com a família para as festas de final de ano (mulher e filhos, além do pai; a mãe havia falecera em agosto), é daqueles acontecimentos que me trazem profunda consternação. Li muitos dos seus artigos no Caderno 2 do Estadão, e mais de uma vez externei meu espanto com sua erudição. Falava de livros e autores, música, espetáculos, cinema e dança com a mesma propriedade com que articulava sobre história, futebol e política. Um intelectual de flagrante integridade, uma inteligência cujo desaparecimento inesperado e tão precoce empobrece sobremaneira nossa sociedade, e o próprio pensamento contemporâneo brasileiro. É impossível não pensar que há tanta gente por aí que tanto mal faz ao nosso País, que tanto ajuda a destruir nossa cultura, que chego a pensar que Renato Russo tinha razão: " os bons morrem jovens". Mais do que lamentável, a morte de Daniel Piza é um fato trágico. Pena que tão pouca gente deu por isso.

Deixo o primeiro Diário pronto para uma possível publicação, que duvido muito que um dia venha a acontecer. Em todo caso, trata-se de um bom instrumento de consulta -ainda que nem um pouco confiável.

Simone às voltas com a preparação da ceia: bacalhau com batatas e salada, e pavê de sobremesa. A mim compete botar o espumante nacional para gelar e, depois, lavar a louça. E não deixar que faltem os medicamentos para aliviar a inevitável crise de gota.

Desde o Natal, a casa está florida de orquídeas e copos-de-leite. A roseira média, no quintal, está com seis botões. As insistentes cavoucadas de Mellie na terra onde a planta está enraizada ainda não são suficientes para eliminar sua capacidade de dar vazão ao milagre que nela está contido.

Duas coisas ficaram pendentes de 2011: não ter dado continuidade ao curso de Letras e não ter conseguido comprar a casa. Ambas as pendências trazem consigo a mais perfeita possibilidade de solução: é só ter dinheiro.

Em 1971, FHC lançava na Argentina o livro "Ideologías de la burguesía en sociedades independientes".

Ler muito um determinado autor nos aproxima da pessoa. Penso na esposa e nos filhos de Piza com a preocupação de quem pensa em algum parente ou amigo muito próximo. Eis um dos mistérios da relação da arte, seu autor e o homem comum -a quem a própria arte se destina.

Alguns poemas de 2011 ficarão perdidos aqui e ali, em papéis que não pretendo localizar.

"A era dos líderes carismáticos, cercados de uma aura romântica, está cedendo lugar à tecnocracia". Ao proferir esta frase em 1965, Roberto Campos não imaginava que, quarenta anos depois, o populismo se recuperaria e retornaria com força do limbo onde se encontrava, personificado em Macunaíma, a besta-fera.

Pelo que se pode ver, ainda me encontro às voltas com a leitura de "As Veias Abertas da América Latina", de Eduardo Galeano -às voltas, portanto, com o demônio imperialista e a inocência da América Latina, pobre indefesa e eterna vítima do capitalismo genocida, primeiro dos descobridores, depois dos ingleses, e por fim dos norte-americanos. Estou quase emigrando para a Bolívia ou para o Paraguai, de tanta compaixão.

Imperdível a entrevista de Umberto Eco para a revista Época. Alguns excertos em destaque:

- Para Eco, Lutero pregava que os judeus, como assassinos de Jesus, deveriam ser dizimados.
- A raiz do nazismo vem da construção do inimigo, de delírios e paranoias. O inimigo sempre figura como uma espécie de monstro: tem de ser repugnante, feio e mal cheiroso. De alguma forma, o que causa repulsa no inimigo é algo que faz parte de nós.
- A televisão era útil para o ignorante porque selecionava a informação de que ele poderia precisar. A internet é perigosa para o ignorante porque não filtra nada para ele. Ela só é boa para quem já conhece -e sabe onde está o conhecimento. A longo prazo, o resultado pedagógico será dramático. Veremos multidões de ignorantes usando a internet para as mais variadas bobagens: jogos, bate-papos e busca de notícias irrelevantes.
- A França, infelizmente, experimenta uma certa decadência literária, e nada de bom apareceu nos últimos tempos. O mesmo parece se passar com a América Latina. Já vão longe os tempos de realismo fantástico de Garcia Márquez e Jorge Luis Borges. Nada tem vindo de lá que me pareça digno de nota. 







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