terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Os leitores de poesia nesta terra são tão poucos que não compensa fazer reedições. Quantos leitores regulares de poesia haverá no Brasil? Creio que não chegam a mil (Paulo Henriques Britto)

Noite dificílima, com uma tosse incessante de Leonardo que nos deixou acordados por cerca de uma hora. Transferi-o para minha cama depois de copos de água e xarope, e fui para o colchão no chão. Às três da manhã, enquanto esperava o acesso passar para voltar a dormir, terminava a leitura de Refluxo, o terceiro conto do livro de José, sobre um rei que manda construir um cemitério. O quarto, As Coisas (ou Coisas), iniciei esta manhã, no carro, depois da oração matutina e antes de resolver entrar para o trabalho. Vai bem, o livro. Simone começou As Memórias do Livro, algo sobre a guerra nos bálcãs. Segundo ela, ainda não engrenou.

Ontem à noite, aniversário de Leonardo, os parentes de sempre, novas e boas histórias sobre a Campos do Jordão de antigamente, e as pessoas falando dos livros que andei doando. Hoje, dor sentida no pé direito, parte superior, cuja denominação ignoro. Colchicina e previsão de almoço à base de poucos legumes cozidos. Muita água.

Poucas situações na vida profissional de uma pessoa são piores do que saber-se no lugar errado.

De Rita Elisa: Alguns dos seus “Poemas Jordanenses” abriram em minha alma uma porta para o infinito, e senti a aragem quase fria do Itapeva. “Sandálias Paternas” tem gosto de poeira de estrada, o sol quente fragmenta as palavras, mas veio a brisa e com ela as nuvens de chuva, gotas de lembrança invadiram a paisagem, apagaram a poeira, refrescaram a memória.
De Ferreira Gullar, na Ilustrada: Não vou discutir se o que escrevo, como poeta, é bom ou ruim. Uma coisa, porém, é verdade: parto sempre de algo, para mim inesperado, a que chamo de espanto. E é isso que me dá prazer, me faz criar o poema.
De Aurélio Buarque de Hollanda, na abertura do livro Pedra Bonita, de José Lins do Rego: E pensemos agora: quantas obras não são reproduções perfeitas de fatos da vida real sem que disso tenhamos conhecimento! A grande maioria delas, como se sabe, tem as suas raízes mergulhadas, em boa parte, na realidade vivida ou diretamente observada. A imaginação não trabalha, nunca, puramente no ar: o real lhe serve sempre de ponto de partida, é o terreno de onde desfere o voo. Pode modificar a realidade, dar-lhe um colorido diverso, estranho, maravilhoso até; criará outras realidades, sempre paralelas a essa de onde partiu: de qualquer maneira, é o real, é a vida, que lhe empresta os elementos básicos de ação.
Durante o sono, creio ter criado um personagem rústico, algo como Raimundo Novidade, Sebastião Novidade, algo assim. Um sujeito simples e fofoqueiro do sertão.






segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

A arte de perder não é nenhum mistério; / Tantas coisas contêm em si o acidente / de perdê-las, que perder não é nada sério (Elizabeth Bishop)

Inicio a leitura de Objecto Quase, uma faceta de Saramago que eu não conhecia: a de contista. O primeiro texto, que trata da queda de uma cadeira levando junto o ditador que nela se apoiara, revela-se cansativo e prolixo (justamente uma característica da literatura de José que não me agrada). Já o segundo é espetacular: O Embargo. Um conto que Borges e Cortázar assinariam, tranquilamente. Uma obra relativamente curta, de cento e trinta páginas. E, nos intervalos, vou folheando Pedra Bonita.

Com o retorno das aulas dos meninos, voltamos a despertar mais cedo. Hoje flagramos uma manhã gelada, luminosa, empolgante: que dia lindo, o do décimo aniversário de Leonardo. A única lamentaçãozinha é que tal fato ocorra em um dia de semana, logo o primeiro de volta às aulas. É bom para que meu pequeno artista vá se acostumando com a implacabilidade do mundo diante de datas comemorativas e coisas sentimentais.

Este é meu outro filho amado, por quem eu me mutilaria agora, neste instante, se assim fosse exigido. Não é possível saber o significado do amor sem que se tenha filhos. Minha única prece, esta manhã, é que sua vida seja longa, e com o máximo possível de momentos de felicidade. A outra prece seria de agradecimento por estar vivo. Seria.

Rita Lee foi presa após um show em Aracaju por ter xingado um policial militar. Presa por desacato. Aos sessenta e quatro anos, Rita ganhou a minha simpatia, que se alia a uma quase-indiferença particular por sua obra.

domingo, 29 de janeiro de 2012

Na vida, só deixamos de ser uns palhaços inconscientes a mentirmos à natureza quando esta, reagindo, põe a nu o instinto hirsuto ou acena o “basta” final que recolhe o mau ator ao pó (Monteiro Lobato)

Em São José dos Campos, para iniciar em um shopping center a comemoração pelo décimo aniversário de Leonardo. Almoço, loja de brinquedos e visita às lojas preferidas: Bruno na Art Rock, Simone na C&A e eu na Saraiva Bookstore. Nesta, faço o de sempre: vasculho estantes de poesia, literatura nacional e  estrangeira, sobretudo a portuguesa. Arrumo autores em seus lugares corretos, e não da forma como muitos estão distribuídos. Augusto Cury e Içami Tiba, por exemplo, não são literatura nacional, e sim auto-ajuda. Folheio Passageira em Trânsito, o novo livro de poemas de Marina Colasanti. A Gramática de Manoel de Barros continua no mesmo lugar, e há algumas novas publicações de Drummond. Claraboia, o póstumo de Saramago, lá está com três ou quatro exemplares. Entre um e outro livro de Poesia, acomodaram um denominado Piadas Para Sacanear Baiano. Depois desta, me retirei. Convidei Simone e os meninos para irmos tomar sorvete.

Simone conclui a leitura de Incidente em Antares. Achou, também, notável, para dizer o mínimo.

Coquemala e Ritelisa acusam o recebimento do Sandálias.

Andei folheando o Pedra Bonita, de Zé Lins do Rego.

Amanhã, os meninos retornam às aulas. Voltando da viagem, ainda foi possível levá-los para jogar futebol -Bruno- e andar de bicicleta -Leonardo. Una bella domenica, mesmo com o empate do Santos B em Jundiaí.

sábado, 28 de janeiro de 2012

Grandes folhetinistas andam por este mundo de Deus perdidos na gente do campo, ingramaticalíssima, porém pitoresca no dizer como ninguém (Monteiro Lobato)

Arriva de Bragança Paulista o E Eu Sei Fazer Versos?, uma verdadeira aula de poesia e métrica da teórica santista-bragantina Lóla Prata Garcia que, entre outras coisas, foi uma fundadora da Associação dos Escritores de Bragança Paulista, a ASES, de quem ainda espero a confirmação do convite para tornar-me associado-correspondente. Na obra, citações de Sérgio Bernardo e Amilton Maciel Monteiro, entre outros amigos. Agora compreendo o entusiasmo de Luiz Antonio Cardoso: o livro é notável.

Dia de muitas alegrias. Na Academia, à tarde, apresentação do livro de Rodolpho e leitura da biografia do novo acadêmico, Edmundo Ferreira da Rocha. Sessão comprida demais, teve gente que falou mais do que devia. Muita gente 'grande', por se tratar de um sujeiro popular ao extremo. Alguns me procuraram, surpresos por terem descoberto esta minha 'faceta literária'. Isso, na verdade, me incomoda, pois em geral são clientes da Empresa, e gostaria que a única referência que tivessem a meu respeito fosse exclusivamente a profissional. Mas foram comentários elogiosos, surpreendentes e satisfatórios. Coisa boa. Chegando em casa, e-mail de José Carlos Mendes Brandão sobre o Sandálias, que tem recebido excelente fortuna crítica. Furini fala do filho, artista plástico, que procura um lugar para expor. Em Campos seria caro, Taubaté também... Mas dá para buscar alguma coisa.

Adendo final da apresentação de Edmundo, que enxertei no texto de Pedro Paulo Filho, o ícone:
Ao ingressar nesta Casa de Letras, tomando posse da cadeira 29, cujo patrono é Guimarães Rosa, um dos maiores escritores não só do Brasil mas de toda a história da literatura universal, e ocupando o lugar de nossa inesquecível Iracema Abrantes, Edmundo Ferreira da Rocha traz consigo a experiência, a capacidade, o conhecimento, a probidade e o reconhecido denodo que, certamentem, colocará a serviço dos projetos futuros que serão desenvolvidos por esta Academia. Há muito trabalho pela frente, novel Acadêmico Edmundo Ferreira da Rocha, e contamos consigo para levá-lo adiante. seja bem-vindo à Academia de Letras de Campos do Jordão, e que Deus o abençoe.

Luiz Antonio Cardoso publica um texto que me fez chegar lágrimas à beira-d'olhos. Se eu não seguro, transbordariam. Ei-lo:

AS SANDÁLIAS E O NATAL

Luiz Antonio Cardoso

O Natal nem sempre foi uma efeméride tão esperada... um certa melancolia, misto de incertezas múltiplas com a certeza de uma falta de sentido sempre rondaram meu mundo no período onde muitos comemoram uma data incerta.

Na verdade, considero positivas algumas ações que ocorrem nas comemorações natalinas, como aquele espírito de solidariedade que toma conta das pessoas, aquela vontade de abraçar seus amigos, de se reunir com seus familiares, de trocarem presentes, aconchegos e afetos... apenas não entendo o motivo disso tudo ser tão passageiro... quisera eu que o Menino Jesus nascesse diariamente no meu coração e nos corações de todos os mais de sete bilhões de seres humanos que habitam este planeta...

Mas alguns natais marcaram sobremaneira minha existência, como o de 2003, quando meus grandes amigos Alessandro Feriotto e Rute Pires resolveram competir com as ceias de natal e se casaram em pleno dia 24 de dezembro, fazendo daquele natal um dia mágico para seus amigos... inesquecível...

Outro natal já eternizado em meus registros mentais é o de 2011. Estava já certo que passaria em minha casa... em meu quarto, talvez trabalhando em minhas edições de vídeos, em meus textos e projetos culturais... a sentença estava dada... mas eis que um grande amigo, que também é um grande escritor me convidou para passar a ceia de natal em sua residência, entre seus familiares, em Campos do Jordão.

Aceitei, com alegria, o convite do escritor Benilson Toniolo, e nem precisaria dizer que foi uma noite bela, repletas de encantos natalinos verdadeiros, singelos e memoráveis...

Porém, um presente estava reservado para aquela noite de 24 de dezembro de 2011... um presente bem típico de ser oferecido por um poeta... um presente que outro poeta consideraria maravilhoso ganhar... um livro... e de poesias! E poemas da lavra do Benilson!... e mais... muito mais... poemas intimistas, repletos de emoção, daqueles que parecem escritos com o próprio coração e que exalam o doce e cada vez mais distante aroma da infância, que permanece estática, adormecida nos recônditos quase impenetráveis da alma...

Benilson Toniolo, em seu livro “Sandálias Paternas e outros poemas”, caminha, em versos, quase de mãos dadas com seu pai... as mãos não podem se entrelaçar mais, mas a energia que movia aquelas velhas sandálias parecem eternizadas pela memória do filho que ficou e que hoje nos encanta com tanta sensibilidade e beleza.

O poeta coloca em seu versejar que poderia ter feito muito mais... e seu verso vem, querendo reconstruir aquela vida de outrora, e reescrevê-la... não vemos remorso nem frustração... apenas aquele sentimento humano de que poderia ter feito mais e melhor... o mesmo sentimento que teremos, anos mais tarde, quando focarmos nos dias atuais...

Benilson traz a inocência, o encanto, o passado, a vida efervescente, o mar, a família e seu pai... sempre seu pai...

Pessoas como Benilson, guerreiras, ativistas culturais idealistas, poetas que expõem seus sentimentos ao extremo, literatos que buscam a perfeição que sabem que nunca encontrarão, são raras... encontramos um perto das montanhas, outro no litoral... um outro perdido nas selvas de pedras do nosso globalizado mundo...

Espero que venham novos natais e mais poemas... muitos versos, como estes que me emocionam incensantemente
 
Como eu disse há pouco, via mail, para o professor Brandão, a literatura tem me dado mais alegrias do que mereço.


sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

O caboclo é o sombrio urupê de pau podre a modorrar silencioso no recesso das grotas. Só ele não fala, não canta, não ri, não ama. Só ele, no meio de tanta vida, não vive... (Monteiro Lobato)

Fui ler poemas de Marédia e Salmos Proscriptos para Mauro. Me pareceu bem, ainda que um pouco abatido. Dei-lhe um exemplar do Sandálias. Eveline leu “Domingo na Vila Margarida”, e continuo me envergonhando quando ouço alguém lendo o que escrevi.  É sempre bom ler Mauro Valle.

Três prédios desabaram no Rio de Janeiro. Até o momento, três pessoas mortas e mais de vinte desaparecidos. Ninguém tem ainda nenhuma informação sobre os motivos da tragédia. 

O livro de Rubem Alves termina com um ou dois versos de Adélia Prado. Confesso que me empolguei com o início da leitura -e só. Ao aproximar-se do final, o livro vai se tornando cansativo e monótonoa, com aquela fixação do autor pela culinária e esforçando-se por tirar de sua prática (dela, a culinária) um aprendizado e a própria explicação dos mistérios da vida e do prazer da comida. Esta é a parte do livro, inclusive, não-recomendada para os que por algum motivo são obrigados a fazer dieta. Os educadores têm que aprender a fazer amor com o mundo. Orafaçameofavor. Mas vale o registro: um livro diferente, original e até certo ponto instigante -que já doei. Ainda que eu sofra calado a sensação de ter atirado uma pérola no meio ao chiqueiro.

Chego àquela fase em que alguém que aborda de forma tão enfática um tema que não domina me traz irritação e enfado. Aprendizados, aprendizados -a convivência com os da minha laia.

O que parecia ser uma ideia razoável para um texto acaba se tornando, poucas horas depois, mui pouco atraente.

Acho que nunca preparei um artigo com tanta antecedência. Eis aí uma atividade -escrever para o jornal- que me apraz.

Hoje morei em Santos, atingido talvez por estar ausente na festa de aniversário desta minha velha namorada, a quem me entrego solitariamente, as ânsias repletas de fidelidade e desejo.

A saudade é uma ilha de onde jamais se escapa.


quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

A poesia é grito/ feito em surdina (Luiz Otavio Oliani)

Em menos de uma hora, cometi duas grosserias que me fizeram enrubescer até o fim do dia. Primeiro, à mesa de almoço, fui brincar com Leonardo (que almoçava em paz, quieto) e acabei por machucar-lhe a orelha, fazendo com que chorasse. Depois, fiz um gracejo em inglês para um adolescente judeu que acelerava exageradamente sua bicicleta no espaço da rua reservado aos pedestres. Sobre esta questão, fiz a mim mesmo uma pergunta: se fosse um jordanense, e não um judeu, a fazer o que ele fazia, que tipo de reação eu teria? Provavelmente não teria feito feito a “brincadeira” em inglês. Provavelmente teria feito vistas grossas. Provavelmente teria deixado o ciclista em paz.  Acontecimentos que me mostram que ainda terei de melhorar muito para amansar um pouco a besta característica da condição humana que mora em mim, e em todos os homens. O fato de eu me envergonhar destas duas façanhas pode ser um sinal de que a besta está um pouco mais domesticada, um pouco menos selvagem. Para Leonardo, já pedi perdão por duas vezes. Para o pequeno turista judeu, o faço agora, envergonhadíssimo.

Maria das Graças Silva Foster –ou simplesmente Graça Foster- é uma mineira recém-entrada na velhice. Cinquenta e oito anos. Morou dos dois aos doze anos de idade na Favela do Adeus, no Rio de Janeiro, onde tinha que percorrer o lixão para revender o que lá encontrava para pagar seu material escolar e ajudar financeiramente a família. Hoje, a engenheira Graça Foster assume a presidência da Petrobras.

Não gosto quando Dilma se presta a fazer patacoadas, como posar de coadjuvante de Macunaíma na posse do novo Ministro da Educação. Aos gritos da torcida organizada de plantão (olê, olê, olé, olá, Lula, Lula...), à suprema mandatária da nação não fica nada bem o papel de secretariazinha e menina de recado do ex-patrão. A não ser que o patrão não seja tão ex, assim.

Aniversário da cidade que habita minha mente e meu coração. Hoje, mais do que nunca, me invade a ternura por Santos e a tristeza por estar tão distante.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Não se foge/ quando se é/ o próprio cárcere (Luiz Otavio Oliani)

O texto de apresentação do livro de Rodolpho Civile, a ser lido no próximo sábado:
"Gostaria, sr Presidente, nesta oportunidade, de apresentar aos senhores acadêmicos e aos senhores e senhoras presentes o mais recente livro de um de nossos mais brilhantes acadêmicos.
É comum hoje em dia, sr Presidente, quando as pessoas comentam uma obra, o uso de adjetivos forçados, de elogios constrangedores, de falácias, de recorrer a metáforas exageradas com o simples e mesquinho intuito de agradar ao seu autor. No meu caso, convidado que fui pelo dr Rodolpho Civile para apresentar a esta Academia, e a este público, seu mais novo livro, Momentos do Passado – Contos e Crônicas do Bexiga, gostaria de falar, sr Presidente, do que este livro não tem. Estranho, falar de algo que não está presente em uma obra. Mas como leitor inveterado e fanático que sou, não poderia me furtar a comentar aqui o que falta no livro do dr Rodolpho. Não vemos, senhoras e senhores, neste livro que ora lhes apresento, o pseudo-intelectualismo que testemunhamos tantas vezes, em tantos lugares. Não vemos nesta obra a arrogância característica dos que se posicionam como donos da verdade. Não vemos nesta obra a incapacidade de compreensão de textos que abunda em nossas letras. Nesta obra não encontraremos a verborragia gratuita, o palavrório incompreensível, que faz uso indevido da palavra como enfeite, como mero penduricalho, para criar efeitos lingüísticos que nada contribuem para a compreensão daquilo que se está a ler. Como diria o mestre Graciliano Ramos, a palavra não foi feita para brilhar como ouro falso. A palavra foi feita para dizer.  E é isto, sim, que encontraremos neste livro que nosso ilustre acadêmico  apresenta nesta data, e disponibiliza para que possamos adquiri-lo ao final desta sessão. Encontramos histórias de um tempo que não volta mais. Encontramos a beleza da simplicidade das coisas, do coração puro e sonhador de um jovem médico que inicia sua trajetória profissional no lugar onde foi menino e adolescente, e que agora, avançado em anos, olha fixamente seu passado, acaricia a mão de sua inseparável esposa e pensa: ‘valeu a pena’.
Amós Oz, o grande escritor israelense, disse que os melhores livros são aqueles em que há pessoas dentro. Momentos do Passado é um livro dotado de grande beleza porque fala de gente, pessoas que conviveram e contribuíram para que a memória de Rodolpho Civile fizesse dele hoje este guardador de tesouros –que ele, gentilmente, nos convida a compartilhar.
Minhas congratulações, dr Rodolpho Civile, pelo seu novo livro “Momentos do Passado – Contos e Crônicas do Bexiga”."

Rubem Alves: 'Minha esperança é mágica. Desejo que os meus leitores, ao lerem os meus textos, fiquem com os olhos semelhantes aos meus. Assim, eles verão o mundo da forma como eu o vejo -e as palavras se tornarão desnecessárias'. Pretensões exageradas à parte, a frase acima contradiz a divindade das palavras, citada pelo próprio Rubem em outro momento da narrativa. Talvez resida aí  desnecessidade - e a desimportância- de ainda haver deuses.

Outras de Rubem Alves:
'O que é um profissional? É um corpo, outrora portador de sentidos, que se transformou em ferramenta, utilidade'.
'As crianças já nascem sabendo. Quando elas, através da educação, são transformadas em seres úteis, o Paraíso lhes é roubado: são obrigadas a se esquecer do brinquedo e a viver no mundo do trabalho'.
'Sem ser capaz de realizar a obra para qual foi criado, o objeto não mais se justifica. É jogado fora: uma lâmpada queimada, uma caneta esferográfica usada, um pneu que se gastou: não merecem ser guardados. O mesmo se aplica às pessoas. As pessoas que perderam sua utilidade não mais se justificam numa sociedade utilitária. Ficaram obsoletas. Deixaram de poder ser usadas como ferramentas. Essa é a razão para a crise de identidade das pessoas em nossa sociedade: ou elas perderam a utilidade ou provavelmente perderão a utilidade'.

E há ainda Camus, que fala de um homem que, ao se preparar para dizer as suas últimas palavras antes de morrer, descobriu que as tinha esquecido.

Volto ao templo, para celebrar a morta.

Rodolpho me convida a tomar parte na Sobrames. Nem médico eu sou...

Envio de novo artigo para o jornal, desta ves mais intimista e informal, falando inclusive de Jesus Anacleto Rosa. O pessoal da redação deve estranhar o estilo, mas é uma tentativa de tornar o texto mais agradável e menos pomposo.

Recuso exercícios, ainda que haja tempo de sobra. Sorvo um sanduíche de frango e salada com a despótica sofreguidão de quem se sabe condenado. Mas assim não estamos todos?




terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Nossa única defesa contra a morte é o amor (José Saramago)

Horas de muito trabalho e atibulação, por conta de tirar todos os documentos exigidos para a solicitação de financiamento imobiliário no banco. Formulários preenchidos, fotocópias tiradas e firma reconhecida, entregar tudo hoje e aguardar o posicionamento dos donos do País, os banqueiros. No trabalho, acúmulo de relatórios, reuniões com clientes e conflitos a administrar. Os meninos em casa, em ócio e tediosos. O último final de semana caracterizou-se, entre outras coisas, pela ausência de futebol na TV. Só o Santos, na noite de sábado, estreando no Paulistão com um empate contra o XV de Piracicaba, fora de casa, em um resultado por sinal muito justo. Nada vi do Italiano, além de certificar-me dos resultados na manhã de segunda-feira.

A Polícia ainda não concluiu a desocupação do Pinheirinho, uma área três vezes maior que a do Vaticano. Causam comoção as inúmeras fotos registrando soldados fortemente armados (com escudos, armas de valioso porte, coturnos, capacetes) desfilando entre crianças descalças, idosos e mulheres grávidas ou empurrando carrinhos de bebê. Notável também o desconhecimento básico que muita gente tem de como funcionam as coisas no Estado: o Judiciário determina com base na lei, e Poder Executivo apenas cumpre. Mas, pensando bem, talvez resida aí o problema: a forma como o Estado executa. Aí misturam partido político com mandato, e é cada aberração que a gente é obrigado a ler...

Como já era de se esperar (tratou-se, na verdade, de uma certeza) a Veja não respondeu até agora por que não noticiou a morte de Daniel Piza. Quando leram o e-mail (se é que leram), devem ter comentado entredentes: melhor não responder... É assim o maior veículo de informação do País.

Novidade: Mario de Andrade foi convidado por Gustavo Capanema para trabalhar no Rio, e não aguentou sequer dois meses na então Capital Federal, retornando intempestivamente para São Paulo.

Tenho lido com bastante interesse o precioso livro de Rubem Alves. Ele já estabeleceu uma relação (para mim, até então, improvável) entre Guimarães Rosa e Nietzsche, aproximando-os diante da abordagem de ambos sobre sangue e palavra. Também une antropofagia e eucaristia, gastronomia, sabor e saber, arte, filosofia e, é claro, literatura. Muitas, muitas referências para os meus guardados. Heráclito e a impossibilidade de se entrar duas vezes no mesmo rio. Influenciado por ele, leio pequenos trechos do livro sobre a vida e a obra de Monet, e o momento em que ele diz a um fazendeiro que a luz que incide sobre um monte de feno o transforma em dois montes diferentes, ao amanhecer e ao entardecer. 'Uma vaca diria a Monet, se a ela fosse dado o dom da fala: 'um monte de feno pela manhã é o mesmo monte de feno ao entardecer. A minha fome o comprova. E para a minha fome a luz não existe'.

domingo, 22 de janeiro de 2012

Que os homens são anjos nascidos sem asas, é o que há de mais bonito, nascer sem asas e fazê-las crescer (José Saramago)

Sandálias Paternas viajando (e como viaja, esse menino!): Santos, São José dos Campos, Nova Friburgo, Buenos Aires, Rio Grande do Sul, outra vez Recife (inteira a quarta viagem em solo pernambucano), Bragança Paulista. O de São José vai na companhia do Poemas Jordanenses. Assim vão conversando...

Na TV Escola, documentário sobre o sempre essencial Mario de Andrade.

Perdemos a batalha do Pinheirinho. A tropa de choque da Polícia Militar desapropiou a área hoje. Sete mil pessoas sem destino, vagando em solo valeparaibano, hoje regado por lágrimas de desesperança e sofrimento.

No final da página onde Leonardo fez contas de matemática e tabuadas, um desenho. 

Passeio pelo Alto da Boa Vista, no Auditório Claudio Santoro, um dos mais belos espaços de nossa Cidade. Ali eu moraria, entre pinheiros, esculturas de Felícia, cantos de pássaros e a deslumbrante da Pedra do Baú e suas cercanias. Simone tenta me explicar como distinguir uma araucária macho de uma fêmea. Confesso que, pelo menos no que diz respeito às árvores, fiquei na mesma. Almoçamos na Cidade, e durante o sorvete no Mercado retirei do Projeto Livro Livre o Pêndulo de Foucault e Crime e Castigo. O primeiro, segundo Asquenazi, é a obra-prima de Umberto Eco. Já Dostoiévski foi um dos seus maiores influenciadores, junto com Tolstoi e Tchekov. Leitura para qualquer dia.

Dividi com os demais Toniolo a notícia da beatificação do primo Giuseppe, no próximo dia 29 de abril. Apesar de praticarem o catolicismo, parece que não se empolgaram muito com a notícia, posto que sequer responderam à mensagem. Sinto muito, amigo Laudato, mas você continua comemorando solitariamente.

De Ricardo Reis:
'Em tudo quanto olhei fiquei em parte.
Com tudo quanto vi, se passa, passo.
Nem distingue a memória
Do que vi quando fui' 

Lembrei-me de Zé Orocó. 

Brinco com Leonardo: que tantos pelos negros são estes em tuas pernas? Resposta: 'são os pelos que tu me deste.'

O que seria uma trova não passou do primeiro verso. O concerto acabou antes.

A Veja, que semanalmente o entregador arremessa no quintal, me interessa cada vez menos.

No momento em que voltávamos do almoço uma assustadora tempestade de granizo desabou, acompanhada por raios e trovoadas. Tivemos que permanecer dentro do carro, sem poder entrar em casa, até que em uma ligeira melhora Simone correu para abrir um dos portões. Depois, calmaria e frio. Este adorável clima jordanense...

sábado, 21 de janeiro de 2012

Aos deuses peço só que me concedam o nada lhes pedir (José Saramago)

Na AmeCampos, para o concerto de Ariã Ai Yamanaka, pianista nipo-brasileira. No programa, Brahms, Debussy, Beethoven e Marlos Nobre. Experiência nova foi presenciar o concerto sem ver a artista, devido à superlotação da exígua sala: quarenta pessoas. Posicionei-me na sala contígua, de pé defronte a uma janela branca, ampla e generosa, com vista para um jardim simples mas bem cuidado, que resplandecia após a bruta chuva da tarde sabática que convidava à música e ao silêncio. Isso tudo depois de uma manhã movimentada: faxina no quintal, futebol com os meninos e caminhada e corridas na pista de atletismo do campo de Abernéssia.Voltando ao concerto: começou às 17:10h (estava previsto para 17h), e para minha incredulidade teve gente que chegou às 17:40h. Outra: veja se um espetáculo como este é lugar para se trazer um molequinho de seis, sete anos. Quando quem traz são os anciãos avós, então, a vontade de atirar o pequeno infante pela janela aumenta. Perto das seis da tarde, um vento gelado me atingiu a nuca e um bem-te-vi passou a anunciar a hora do Ângelus. Para encerrar, o tango de Nobre surpreendeu a todos pela virtuosidade. Minha única companhia, além da vista da janela, foram os quadros de Tubarão e Pennacchi. Acho que encontrei meu lugar ideal no prédio da sala de concerto da Amecampos. No fim, fui dar uma conferida, pelo menos, no rosto da pianista. Mas ela já havia se retirado.

Principiei o dia assobiando e ouvindo o disco de Luiz Gonzaga, cujo centenário, me informa Simone, será tema do carnaval pernambucano neste ano. Nada mais natural, e bonito, e louvável. Vou-me embora pro Recife.

Na entrevista do caderno de Cultura do Estadão, Berthold Zilly e sua história de traduções para o alemão de clássicos da literatura brasileira.  Seu próximo desafio, depois de traduzir Lima Barreto, Machado de Assis, Os Sertões e Lavoura Arcaica, entre outros, será Grande Sertão: Veredas. Quero só ver como é que ele vai germanizar os neologismos de Rosa, tão brasileiros, tão sertanejos, tão umidificados, para aquela língua rígida. Complicação pra ninguém botar defeito. Pelo jeito, o alemão pegou gosto em se aventurar pela nossa pedregosa e inquieta literatura. Tanto que venceu o Prêmio de Tradução na Alemanha, em 1995, com a obra-prima de Euclides da Cunha.

Pedidos do Sandálias chegando. Boas perspectivas para o Mar de Amares.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Com as palavras, todo cuidado é pouco, mudam de opinião como as pessoas (José Saramago)

Ao folhear Livro Sem Fim, de Rubem Alves (Edições Loyola), me peguei lendo, de uma só vez, quase vinte páginas. Interessantíssimo, com boas citações de Hesse, Nietzsche (inclusive o Zaratustra), Fernando Pessoa, Whitman e Manoel de Barros. Transcrevo um trecho: No ´País dos Saberes, há regras precisas que regulam a fala e a escrita. Regras claras, rigorosamente definidas. Quem tropeça é expulso. Para se entrar no ´País dos Saberes´ há de se passar por rituais de exame de linguagem. Tais rituais têm o nome de ´defesas de tese´. Nas defesas (evidentemente deve haver um ataque) seja de mestrado, seja de doutoramento, não se presta atenção no que o postulante à admissão diz. Mas se prestará rigorosa atenção no como ele o diz. Qualquer que é permitido desde que o como seja obedecido. Não importa o que o postulante escreveu; importa o seu domínio da gramática da linguagem do saber, científico ou filosófico.

Contrato com a Multifoco pronto para ser assinado e enviado. Vamos, pois de Mar de Amares, o terceiro filho.

Vinte e dois exemplares encomendados do Sandálias. Flávia sugere um lançamento para março ou abril, nas exposições da Secult. Mar de Amares será lançado na Biblioteca em fins de abril.

O Regulamento do Prêmio Monteiro Lobato de Redação Estudantil começa a circular pela Cidade. Deverá ser anunciado na reunião da Academia, no próximo dia 28. 

Para Conti, d´O Povo, entrego As Veias Abertas da América Latina e quadrinhos vindos do Ceará. A coluna vai bem, e ando animado com a ideia da coletânea de artigos sobre Educação no final do ano.

Ainda o dia 28: se o canceroso ícone não puder, caberá a mim fazer a leitura do seu discurso de recepção do novo Acadêmico. 

A Justiça Federal cassou a autorização dada pela Justiça de São José dos Campos de desapropriar os moradores que invadiram o assentamento do Pinheirinho. Houve comemorações. Os advogados dos donos da área questionam o fato de o processo ter sido enviado para Brasília quando nem todas as possibilidades de negociação em São José tinham ainda se esgotado. E o belo poema de Sílvio Prado, que neste espaço reproduzi, ficará como o símbolo da resistência do povaréu vitorioso. 

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Filosofamos porque morremos. Se não morrêssemos, não precisaríamos de filosofia (José Saramago)

Para treze (ou será quinze?) de março a abertura da I Exposição de Escritores Jordanenses. Painéis com a foto e biografia de cada um, além de um poema em exibição. Na noite de abertura, os livros destes autores serão vendidos a preços subsidiados, e a renda será revertida para a APAE. Ulysses, Zezé, Maynard, Pedrinho, eu, Débora, Rodolpho, Nuno, Carol, Mauro, Eliana, Adriana e LAC, como autor convidado. Treze. Destes, dez possuem livros publicados. O fato de envolver a APAE na empreitada aumentará o apelo e, certamente, também o público e a repercussão. Há questões políticas e intestinais a resolver, mas entendo que não haverá dificuldades. O clima, ao final da reunião, era de entusiasmo e de "é possível". A mim, a função de falar com os autores e convencê-los a aderir. Depois, novas ideias: um concurso literário internacional no segundo semestre, o lançamento de Mar de Amares em abril e a formação de um grupo de estudos literários, a reunir-se semanalmente na própria Biblioteca. Antes, um café na padaria, com amigos da Academia, para falar mal da chapa única.   

Durante a noite, um insight: que tal um livro com apenas três contos, dos maiores? Porró do Beco das Almas (que seria também o título), Depoimento (ou O Labirinto), Rachel (ou Banheiros e Organizações). Dá. Quer dizer, não sei. A ver. Por outro lado, avança a negociação do Mar de Amares.

Talvez por eu estar em um dia não tão favorável, o fato é que, em determinados momentos, cheguei a considerar Assassinatos na Academia Brasileira de Letras uma leitura constrangedora. Confesso que, pelo autor, esperava mais. Muito mais. Doado, já, nas primeiras horas da manhã, para alguém que flagrei lendo a continuação de A Cabana. Livrinho ruim, seu. Durante a noite, lembrei de Carlos Heitor Cony. Pode ser que haja algo interessante dele, em casa. Quase História, se não me engano.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

As línguas mortas são as que não mudam (José Saramago)

Na Biblioteca Municipal, ontem à noite, para a abertura da Exposição sobre Quadrinhos. Poucas pessoas (afinal, estamos em Campos do Jordão) para uma noite agradável e despretensiosa. Tietagem geral pela presença da prefeita, em último ano de mandato. Distribuição do Sandálias, que vai gerando boa fortuna crítica. Hoje mais alguns exemplares, pelo Correio: Curitiba, Caucaia, Cuba, Abreu e Lima, Itararé e Bauru. Faltará ainda um para Fortaleza, por falta de endereço. Hoje, reunião na própria Biblioteca, sobre um projeto de exposição de escritores. Chega a cinco, o número de mortos na Academia do Gordo.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Nesta vida não vamos a nenhum lugar, e sem pressa alguma; caminha-se somente, um passo de cada vez, para a morte (Isabel Allende)


Assassinatos na Academia Brasileira de Letras, de Jô Soares (Companhia das Letras, 2005, 252 páginas) não empolga, chegada a metade da leitura. Como diz o próprio título, trata-se do assassinato de imortais em condições misteriosas, e todas as nuances da investigação feita pelo policial Machado Machado, que além de sagaz e muito bem relacionado, também manja muito de literatura. Até agora, morreram dois acadêmicos e o capanga de um deles. Prossigamos, pois, nesta empreitada.

O sonho: estou na Beneficência Portuguesa, em pleno canal dois, à procura de marcar uma consulta com um nefrologista. O local está cheio de gente e chamo a atendente da Recepção pelo nome, que leio claramente no crachá. Não marco a consulta e saio a pé. Na primeira esquina vejo uma pequena multidão: um cavalo lindo, branco, está de pé dentro do canal, e a água rasa mal lhe cobre as patas. Alguns homens em uma máquina estão iniciando o trabalho de resgate do animal, que aparentemente está tranquilo. A imagem, apesar do conflito da situação, é de serenidade e paciência. Alguns homens que observam o resgate estão trajados à moda antiga, de calças, suspensórios e camisetas brancas. Um deles usa chapéu. Me sinto feliz por estar em Santos, e retomo minha caminhada.

O bravo poema do professor e sindicalista Sílvio Prado, de Taubaté, sobre a invasão e desapropriação da área onde vivem os moradores do Pinheirinho, em São José dos Campos:


AO SOLDADO INVASOR DO PINHEIRINHO

Você que se acha preparado
e já recebeu instruções para invadir
e fazer a desocupação do Pinheirinho,
mesmo estando agora
sob as ordens de um tenente ou coronel
rigoroso nas suas determinações,
pare e pense o que significa o enfrentamento
com alguns milhares de trabalhadores
enraivecidos e sedentos de justiça,
armas rústicas em suas mãos, porém bem alojados no interior
de um terreno que só eles conhecem tão bem.

Pense no que significa entrar num terreno minado
onde milhares de bolinhas de gude
atiradas por centenas de estilingues
vão se chocar com seus escudos
ou, num momento de descuido,
com a fragilidade de sua testa ou têmporas.

Pense no perigo de um coquetel Molotov
explodindo perto de seu peito,
fazendo descer a gasolina por sua farda
e, atrás dela, o rastro do fogo
já consumindo sua pele
e de nada adiantando o seu grito de socorro
aos companheiros de pelotão,
também atordoados
por outros coquetéis ou pela fuzilaria
de fogos de artifício
e, quem sabe, pelo calor de uma barricada
de pneus ardendo próxima de seus olhos.

Saiba, policial militar, a batalha do Pinheirinho
não se parecerá com nenhuma das outras
batalhas que seu pelotão travou
para expulsar gente pobre de terras ou prédios
ocupados. Não se parecerá jamais
com as batalhas desiguais
que travadas com professores
na Avenida Paulista
ou nas imediações do Palácio dos Bandeirantes
onde borrachadas gritaram nas costas de educadores
e spray pimenta e gás lacrimogêneo
deixaram gente tonta e quase cega.

Nem de longe se parecerá
com batalhas travadas em portas de fábricas
a mando de patrões que não suportam
a justa reivindicação dos trabalhadores.

Essa batalha será única
e travada por milhares de trabalhadores
que há dez anos se preparam
para lutá-la e assim garantir de vez
o seu direito a moradia.

Você que se apresentou
pontualmente ao seu comandante,
com a farda limpa, os sapatos bem engraxados,
cabelos e barba tratados como se deve,
enfim, um soldado exemplar
e merecedor de citação especial
no relatório de seu comando,
quando botar os pés sobre o chão
daquele bairro miserável e sedento de fazer justiça,
por mais poderosas que sejam suas armas
e por melhor que tenha sido
seu rotineiro treinamento,
você logo perceberá a loucura
que seu comando fez
ao colocar soldados que ganham salários
miseráveis para combater e violentar
direitos de cidadãos também tão miseráveis.

Saiba que dentro do Pinheirinho
você vai encontrar homens, mulheres
e muitos jovens que tem só a perder
uma casinha rústica construída com imenso
sacrifício em duros mutirões de final de semana.

Esses homens, mulheres e jovens,
a maioria deles construíram suas casas
pensando em fazer delas
o que deve ser feito com toda casa
construída por um trabalhador,
ou seja, apenas um local de moradia,
espaço físico e expressão de um lar.

Porém, já que interesses estranhos a eles
impedem que esse espaço físico seja
um local de moradia ou expressão de um lar, que ele
então seja transformado numa coisa impossível
e humanamente inaceitável:
o seu derradeiro tumulo
na dura luta por justiça num país desigual.

Por isso, fique atento soldado
da tropa de choque que arrogantemente
se propõe a retirar do Pinheirinho
cerca de nove mil brasileiros que
sob a sordidez de uma trama política perderam
o direito a moradia.

Devido a dramaticidade da situação
criada por interesses de gente poderosa,
esses nove mil trabalhadores
não poderão recebê-lo com flores
e nem lhe dirão bom dia
quando o primeiro soldado de seu batalhão
atravessar o portão ou o arame farpado que cerca
mais de 1 milhão de metros quadrados
dessa ocupação.

Prepare-se,
pois em muitos lugares
o chão vai engolir seus pés e até suas pernas
e o fogo dos molotovs de imediato subirá
devorando sua camisa até sugar com
tanta quentura a firmeza de sua pele.

Fique atento e empunhe com firmeza
seu escudo militarmente bem preparado
pois uma lança rústica de um simples bambu
poderá vencê-lo, como tantas vezes
um armamento de bambu de um guerrilheiro
vietnamita venceu invejáveis artefatos tecnológicos
do poderoso exercito norte americano.

Você, tão preparado para não ter medo
vai sentir o medo engolindo sua coragem
e se achando ridículo por colocar em seu
currículo mais outra estrela
de um outro trabalho sujo
que poderá dessa vez ser tão mal sucedido.

Prepare-se muito bem,
policial militar, incapaz de questionar
ordens vindas de seu comando
mesmo que essas ordens exijam a pancadaria
em pais de família indefesos,
tiros certeiros de bala de borracha
em trabalhador indignado,
desconcertantes jatos d’água
em multidão enfurecida
além de prisão por desacato de todo cidadão
que amparado num direito constitucional
questionou atitudes e ordens policiais.

Enfim, você não estará combatendo bandidos
amedrontados em ruelas de bairros miseráveis,
gente moralmente destruída
e sem nenhum sentido de organização militar
e política.

Os que estarão a sua frente empunhando
rústicas armas são aqueles homens simples e anônimos
que no correr da semana dão duro no trampo
de pedreiro, catam recicláveis pela cidade,
fazem bico de segurança, capinam terrenos,
se arrebentam trabalhando de ajudantes na construção civil;

São também domésticas e estudantes de escola pública,
vigias, flanelinhas, babás de crianças ricas,
diaristas...gente muito parecida com você.

São todos eles gente digna
que muitas vezes por serem negros e mulatos
ou ostentarem aparência incorrigível de gente pobre
foram em inúmeras blitz
rispidamente abordados e impiedosamente
revistados por homens tão pobres como eles,
mas que dentro de uma farda
e no interior de uma corporação militar
aprenderam a olhar esse tipo de gente
naturalmente como suspeita de todo crime.

Por não serem bandidos,
mas gente digna
e tendo ainda alma para sonhos de justiça e igualdade,
eles agora se transformaram
num exercito particularíssimo e inusitado
lembrando alguma coisa de Canudos
e de muitas outras lutas por justiça
e igualdade.

Portanto, cuidado soldado.
Essa gente pobre, feia e mal cuidada
traz motivos de sobra pra lutar desesperadamente
mesmo que sua luta resulte na crueldade
de mortes brutais, tanto de quem se propõe
tirá-los do sonho necessário de uma casa
ou a morte deles próprios.

Quando pisar no solo do Pinheirinho,
lembre-se: gente tão simples e pobre como você
não poderá tratá-lo jamais como um igual
mas como a encarnação real do verdadeiro
inimigo, essa gente rica e poderosa
que inventa guerras de todo tipo
e inventa também divisões e antagonismos
na massa imensa de homens pobres
e depois precisa de batalhões de soldados e policiais
especializados na triste arte de fazer trabalho sujo.

Quando pisar no solo do Pinheirinho,
pense nas vidas que você pode tirar
e também na vida que você pode perder.
Pense na família que pode perder um membro
ou ficar mutilada. Pense na sua mutilação física
ou também moral
carregando pelo resto da vida
uma dor que não tem cura
um remorso sem tamanho
e a tristeza de outra vez
não ter tido peito para não acatar
mais outra ordem estúpida.

Pense tudo isso, policial militar,
se é que dentro de sua corporação
e no interior de sua farda
ainda é possível algum tipo de pensamento
que não leve à criminalização de pessoas
pobres tão semelhantes a você.

Pense, policial militar, pense
e resgate em você essa coisa maravilhosa
que é ser solidário com os indefesos e injustiçados
que certas conjunturas políticas
acabam transformando em guerreiros da justiça.

Gente que necessita apenas de pão, escola, moradia,
Trabalho e jamais da letalidade das balas de borracha,
do ardume do spray pimenta
e do lacrimogêneo,
da pancadaria grosseira dos cassetetes,
do fogo em suas casas e barracos
e do som atordoante e aterrorizador
de helicópteros voando durante horas
sobre suas cabeças...

Sempre pão, escola, moradia, trabalho
é o que eles, tanto quanto você, precisam
e jamais de truculências, pancadarias e injustiças
financiadas pelo Estado.

Silvio Prado
Diretor estadual da Apeoesp

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

O abismo é a parte mais rica da minha nostalgia (Rita Elisa Seda)

Marina Colasanti falando na TV Câmara sobre 'Passageira em Trânsito', um de seus livros recentes de poesia. Uma revelação surpreendente sobre a única vez em fumou maconha: "Mas é só isso, essa porcaria? Minha cabeça, sozinha, viaja muito mais sem precisar desse matinho".

Nosso ícone maior decide não fazer quimioterapia. Um silêncio de respeito e admiração.

Morreu aos 66 anos, em Belo Horizonte, o escritor Bartolomeu Campos de Queirós, autor de livros infanto-juvenis e peças teatrais, com mais de quarenta obras publicadas. Ganhou um Jabuti e reconhecimentos certificados em Cuba e Londres.

Procuro um nefrologista em Taubaté. Duzentos paus a consulta, e só tem disponibilidade no dia vinte e quatro de fevereiro. Aquele negócio: remédio para controle da pressão, ácido úrico, tio Aldo...

Na Rai, o dérbi Milan-Inter. Um jogo de baixo nível técnico, muita correria e a tradicional grinta que envolve uma partida desse porte. O gol de Milito no comecinho do segundo tempo após falha individual de Abate foi a síntese do que se esperava: um a zero Inter. Quem errasse, perdia. Bom para a Juve, que tropeçou em casa com um empate contra o Cagliari mas se manteve na ponta. Os nerazzurri ganham novo impulso na competição, e o Milan vê interrompida sua série de bons resultados -além do desgaste natural que uma derrota em um clássico contra o principal rival redunda. Já a Fiorentina continua se esforçando muito para deixar de ser grande: derrota em pleno Artemio Franchi para o Lecce, também por um a zero. Continuo apostando Milan.

domingo, 15 de janeiro de 2012

Só existe uma coisa pior que a vontade de poder, é a ausência da vontade de poder (João Pereira Coutinho)

É uma alegria ler José Mauro de Vasconcelos.

Não é sempre que dá pra fugir. Não é sempre que o pedalinho ou o submarino estão à mão. Então, só me resta cavar.

Publiquei dois livros, e tenho sonhos novos todos os dias. Não se tratam de velhos sonhos renovados, tornados mais moços. São novos, mesmo, que a cada giornata me surgem vindos sabe-se lá de onde. Não tenha capacidade para criá-los: eis que aparecem, se instalam em mim, e de mim passam a fazer parte. E são grandes e pequenos, estreitos e largos, rasos e profundos, tênues e densos, e não os controlo -nem quando nascem, nem quando vivem e tampouco quando mortos, posto que desaparecem envoltos no mesmo silêncio de quando surgem, em mim e à volta. Quereria que não existissem. Quereria o contrário: escrever livros novos todos os dias, e sofrer apenas dois sonhos.

- Então o senhor não sente nada?
- Sinto, sim siô, desde minino.
- Diga.
- Vontade de viajá.
- Isso não é doença.
- Num é pruquê o siô nunca sintiu...





sábado, 14 de janeiro de 2012

Não há como ser terapeuta ou rei sem alguma impostura. Todos carregamos máscaras. Avançamos mascarados, enfeitados por mentiras que nos embelezam. Acreditar nas máscaras que vestimos é um delírio que nos torna perigosos (Contardo Calligaris)

Em Taubaté, para a palestra sobre vanguardas poéticas do poeta e jornalista Dailor Varela, potiguar radicado em Monteiro Lobato, pai de Mah Luporini, poeta recém-publicada no NPB. Público de cerca de trinta pessoas (inacreditável, conseguir juntar uma plateia numerosa como esta em uma manhã de sábado). O preletor traz uma belíssima história de luta e engajamento, sendo um dos criadores do Poema-Processo, em Natal, em 1968, o que lhe gerou algumas complicações com a ditadura militar. Falou ainda sobre o concretismo, sua gênese, o caráter pesquisista do movimento (os irmãos Campos chegaram a estudar hebraico a chinês para traduzir poesia antiga), seus desdobramentos e o neoconcretismo proposto por Ferreira Gullar, anos depois. Uma boa manhã taubateana, com um calor ameno e um céu nublado, uma boa conversa e muita gente boa na assistência. No retorno me encontro com LAC, a quem entrego os textos do Araucária, cujos últimos textos chegaram ontem, um deles outra vez de Lisboa.  

Ontem, high pression blod, que me deixou de cama tão logo cheguei à casa vindo do trabalho.  Dezesseis por onze, segundo a atendente do Posto de Saúde. Dor na nuca e atrás da orelha, Simone aperreou-se. Dormi bem e hoje a pressão já estava normalizada. É preciso cuidado antes que alguém decida cortar meu fiozinho.

Livros lidos para um funcionário da Empresa, que diz que gosta de ler. Livro morre, quando fica muito tempo paralisado na estante.

Três mortos no naufrágio em um navio de cruzeiro na Toscana. O mundo perplexo, como sempre acontece quando uma tragédia inesperada se abate contra ocidentais brancos e ricos.

Adquiri Assassinatos na Academia Brasileira de Letras, de Jô Soares.

Sandálias Paternas viajando Brasil afora. 

Chove, depois de uma outra ventania insana.


sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Todo homem é um abismo, a gente fica tonto de olhar pra dentro dele (Woyzeck)

Passando por Abernéssia, dou com uma cena que há muito havia escapado de minhas retinas: uma manifestação popular. Com faixas, apitos, palavras de ordem, organizada e pacífica. Participei de algumas, ao longo da vida, e posso dizer que se trata de uma experiência que enriquece a existência de qualquer mortal. À época, havia as greves dos estivadores, quando praticamente toda Santos parava em apoio aos trabalhadores. Os que não paravam, como o português do restaurante no Gonzaga ("que raios eu tenho com isso, não sou estivador..."), eram forçados. Cheguei a fechar uma agência bancária só na base do discurso. Bons tempos de subir no caminhão do sindicato, chegar em casa e ouvir o gritante silêncio de repreensão dos milicos que se agregaram à família, e acabaram por dar a ela uma cor verde-oliva e azul-clara, esta repleta de medalhas e insinuações de asas e espadins. Mas daí que era da manifestação de Abernéssia, que eu falava. Todo empolgado, ligo para o jornalista d' O Povo, na esperança de confirmar que a paciência do jordanense tem, sim, limite, e este pobre serviçal é capaz, enfim de se rebelar. Engano. Ledo engano, ledo Ivo. Os manifestantes eram de São José dos Campos, que resolveu aparecer em Campos do Jordão devido à presença, aqui, do Governador do Estado. Protestam contra uma reintegração de posse em um lugar chamado Lagoinha, de onde querem arrancá-los. Pressionam lá e aqui, que é onde estava o principal mandatário do Estado. Se fiquei feliz por ter visto novamente uma manifestação genuinamente popular, por outro me entristeço profundamente ao constatar, mais uma vez, a pusilanimidade da gente da minha Cidade, que precisa importar, até mesmo, coragem. E que, ao se deparar com a passeata e os gritos das palavras de ordem, olhou para os lados e fingiu que ignorava.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Penso que a Poesia faz parte da história da vida, e não da história da literatura (Sophia de Melo Breyner Andresen)

O livro da minha infância foi 'Coração de Vidro', de José Mauro de Vasconcelos. Muita gente dessa época se lembra das cinco histórias dos animaizinhos (ou melhor, quatro animaizinhos e uma árvore, se não me engano) que, depois de uma vida saudável junto aos seres humanos, foram por eles abandonados e morriam na solidão. Uma tristeza só. Além dos breves contos, recheados de ternura e tristeza, me encantavam as ilustrações coloridas, as expressões. Lembro do azul fortíssimo no corpo dos pássaros, a coroa de flores colorida, com preponderância do vermelho, em volta do pescoço do cavalo campeão, o homem amarrando o sapato sobre o que restou do tronco de uma árvore, na qual havia brincado a infância inteira. Eu devia ter uns oito, nove anos, e minha irmã lia o livro para algum trabalho escolar. Ou seja, quando o livro estava dando sopa pela casa, eu pegava pra ler. Depois o livro se perdeu, e recentemente apanhei um outro exemplar, em uma dessas feiras literárias de que participo, para minha estante. Na dúvida sobre o que ler depois de Miguel Sousa Tavares, recolhi outro livro de José Mauro também bastante conhecido, chamado 'Rosinha, Minha Canoa', que conta a história de Zé Orocó, caboclo do mato que é recolhido a um hospício por conversar com as árvores e com sua canoa -a Rosinha do título. O livro é lindo e de uma tristeza profunda. Notável a apresentação do autor, que
e mais ou menos assim (não está em mãos, de forma que só me ocorre o sentido, e não as palavras por ele utilizadas): cansei de ter que criar pesonagens do tipo 'macho pra burro'. Neste livro resolvi usar toda a minha carga de ternura, e não tenho que me desculpar junto ao público leitor. Se não é isso, é parecido.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

A minha voz é o murmúrio / de uma paixão transfigurada: / soluça e morre entre os antúrios / de uma varanda desolada (Jaci Bezerra)

Além de não ter sido contemplado pela Providência com uma visão privilegiada e focada "no detalhe", com frequência minha distração me prega peças. Tenho grande dificuldade para divisar o mínimo, a pequenina mudança, o ínfimo. Dá-se que meus olhos nasceram para ver somente o embaçado. meus olhos só vêem o que querem, e não consigo -e nem me esforço- reeducá-los. Nunca tentei, na verdade. A velha senhora, no meio da rua, me acena e pede quee eu pare o carro. Isto feito, aponta bem ao meu lado o alambrado de uma escola, em cujo quintal ela plantou, junto com os alunos, uma pequena horta: "couve, almeirão, alface, cebolinha, salsinha..." Quando olho, o que é que que eu vejo? Um monte de mato nas mais diferentes colorações e dimensões. Nada das hortaliças anunciadas. Olho melhor, revejo, ponho sentido: realmente as folhas diferem, umas das outras. Mas o que é comestível, o que é mato? Além da dificuldade natural que me é inata, há ainda o fato de encontrar-me dentro do carro, parado no meio do asfalto, com o retrovisor a gritar que dois veículos se aproximam. Digo que Sim, que bonito, olha que legal, parabéns, bacana mesmo. Me despeço e arranco. Qualquer hora dessas, passo a pé e vou olhar direito. Vou "ponhar reparo", como é comum dizerem nesta nossa terra.  

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

O Sertão principia / Depois que acaba a terra/ Ou, sendo mais exato, / Onde começa a pedra (Marcus Accioly)

Às vezes nos esquecemos do quão assustadores são os vendavais noturnos que se abatem sobre o Morro-Grande. Despertamos assustados em plena madrugada, acossados pelos uivos em uníssono a varrer a casa, desafiando suas estruturas, suas paredes, seu telhado e alicerce. Objetos que desabam no quintal e na rua, portões e janelas que batem, a sensação de impotência diante da violência que sopra do vale. Tempos depois, se amaina a ferocidade e, ainda em sobressalto, procuramos voltar a dormir. A manhã que se aproxima será de frio, umidade e chuva.

Para apresentar ao Presidente da Academia, o projeto do concurso de redação: Monteiro Lobato-vida e obra, destinado aos estudantes do Ensino Fundamental II, o antigo Ginásio. Impressão de que estou exigindo demais dos alunos, afinal não estamos mais em 1980. A maioria dos estudantes de hoje não deve ter jamais ouvido falar do velho Bento, um dos maiores brasileiros da História.

Separados os textos para LAC. Deve estar a chegar mais alguma coisa, dado que as últimas que arrivaram foram postadas em 29/12. Há ainda, portanto, dias 30 e 31. De antemão posso assegurar que este foi o Araucária com o menor número de participantes. Criada uma categoria especial dedicada exclusivamente aos autores estrangeiros, o que empresta certa internacionalidade ao evento. Mais uma categoria, mais candidatos, custos maiores... Cento e vinte textos, exatos.

Conversa com Luporini sobre editoras e orçamentos. ainda em dúvida quanto à proposta da Multifoco. Sandálias saiu com 58 textos, Mar de Amares conta com 63, mais orelha e apresentação. Exceção ao prazo para ficar com os trinta exemplares, tudo está de acordo.

Abrir a porta do armário e de lá retirar uma malha de lã, em pleno mês de janeiro e em época de aquecimento global, não deixa de ser um privilégio.

Sandálias para Mildes e Furini. Peço a LAC um pequeno comentário a respeito para enviar à Editora.

Malosti achou bom o artigo. Sai no sábado.

Entrevista de Lívia Garcia-Roza, a sorpresa, no Leituras da TV Senado. Cumprimento-a.

Para o próximo artigo d' O Povo, devo trabalhar em algo sobre o fato de que os brasileiros lêem menos livros/ano do que os colombianos. Educação, educação, educação...

Tento defender Umberto Eco em uma conversa com dois loucos que sabem absolutamente tudo sobre a Segunda Guerra Mundial. A discussão começou com a questão envolvendo Lutero e seu desejo de exterminar os judeus. Ouvi algo do tipo Mas Hitler não inventou o anti-semitismo! Chegam a comparar o número total de mortos nos Balcãs e em Ruanda para dizer que o Holocausto tem um apelo de marketing muito mais forte junto ao mundo, em razão de as vítimas se constituírem de brancos e ricos europeus. Mas eu não estava falando disso, queria discutir Eco e Dan Brown, o Cemítério de Praga e O Nome da Rosa, Baudolino e A Ilha do Dia Anterior. Prefiro a Literatura à História. E Eco vai ter de perdoar  minha absoluta incapacidade de argumentação.   

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Meu porto é além de todo cais (Ângelo Monteiro)

Eis o texto solicitado por Malosti, intitulado Afinal, O Que Têm a Dizer Os Novos Poetas de Taubaté?:
De repente, sem que ninguém  desse conta, eles começaram a surgir de todos os lados. Foram se aproximando como quem não quer nada e se apresentando como “poetas”, esta espécie julgada extinta de que já ninguém mais se lembrava. Foram entrando, mostrando a cara, entrando sem pedir licença –como o sujeito que entra quietinho, senta no último banco da última fileira e, quando menos se espera, acaba tomando conta do pedaço.  Inconvenientes. Enxeridos. Ninguém os chamou, e eles vieram. Estranhamos: de onde é esta fauna tão diversificada saiu? De qual buraco, por que caminhos, onde é que estavam até agora? O que querem? Com seus poemas inofensivos e batidos, foram se infiltrando e tomando espaço. A impressão que se tem é que eles estão p or toda parte. Nos teatros. Nos prédios das associações de classe. Nos palcos. Na TV. Nas esquinas. Nas praças. No rádio. No Senado Federal.  Aliás, alguém sabe dizer qual foi a última vez que a palavra “Taubaté” foi proferida no Senado federal? Foi pra falar deles. E eles continuam. Entregam livros. Recebem certificados. Enchem as redes sociais de sandices, erros gramaticais, gritos por justiça -os poemas lá deles. Reclamam que não havia ninguém para cuidar do lobo-guará, discutem, saem na porrada. Publicam livros. Apontam o dedo. Alguns deles nem sabem exatamente o que querem dizer. Fazem saraus em praça pública, organizam concursos, lotam auditórios pequenos ou grandes, trocam poemas, fotografam como malucos. Formam e extinguem grupos como quem troca de roupa. E, não satisfeitos com a abrangência local, passaram a chamar outros loucos das adjacências para corroborar as insanidades: Pinda. São José. Campos. Aparecida. Monteiro Lobato. Jacareí. Varam as madrugadas. Achincalham políticos (uns palhaços incorrigíveis, todos eles). Trocam impressões entre si, anotam nomes de autores e livros, procuram na internet, vivem com papel e caneta à mão, brigam com os pais, sonham com outras paisagens, botam o dedo na ferida dos outros sem que os outros autorizem. Alguns não têm nem emprego, e não podem ver um microfone disponível. Bebem muita cerveja e outras porcarias. Fumam cigarros –e outras porcarias. São pederastas. Cínicos. Sujos. Chegam a questionar a Deus. Alguns são ateus –e ainda confessam! Defendem o homossexualismo, o fim dos preconceitos e a liberdade de pensamento. Por isso se escondem quando passa o carro da polícia. Falam palavrão e olham fixamente a bunda de nossas filhas na rua, sem que a gente perceba. Aliás, são loucos para engravidar a filha da gente. Dizem que trazem em si a “semente da poesia”, hippies atrasados que perderam o bonde da Hist� �ria –mas não o da esperança. Por isso são pálidos, orgulhosos, arrogantes, metidos a intelectuais da Dutra. Só pensam neles. Não ligam para a fome na África, para a crise do euro nem para Academias de Letras. Aliás, detestam Academias e seus odores de naftalina. Passam a maior parte do tempo a criar e organizar verdadeiros bacanais da palavra a céu aberto. O resto do tempo, não fazem nada. Não produzem para a economia do município, não geram receita, não contribuem para estatísticas, não recolhem impostos e não consomem como as pessoas normais. Dizem que só a cultura e a reforma da educação salvarão o País. Cuidado, ao cruzar com eles. São perigosos –é só ver o brilho que trazem nos olhos, quase em chamas. São excluídos –trazem livros nas mochilas e nunca têm dinheiro para nada. E teimam em carregar nas costas o peso imenso de cruzes imaginárias. E insistem em proferir ao vento seus versos que ninguém entende.  E insistem em semear esperança na dura insensatez do asfalto.

domingo, 8 de janeiro de 2012

Confesso que sou de barro / confesso que sou humano / confesso que no meu peito / bate um coração de pano (Paulo Bandeira da Cruz)

Nem uma mísera linha, na Veja, sobre Daniel Piza. Eu, que já não andava lendo a revista por problemas na entrega, preferindo o jornal diário e a internet, considerando-se aí também a negativa da revista em noticiar as denúncias de roubalheira nas privatizações do governo Fernando Henrique Cardoso, hei de protestar via mail, com a certeza que a revista não responderá. Continuarei a ler, somente, os artigos.

Morreu aos 88 anos Anilda Leão, poeta, "estandarte da cultura alagoana", segundo o Alagoas 24 Horas. Confesso que não conhecia.

Terminei No Teu Deserto, que Henrique Bon classifica como "muito bom!"  com o entusiasmo característico de um ponto de exclamação. Este livro não será, como tantos, doado. Estará à mão, pela força sutil que há em sua narrativa e pela beleza e ternura nele contidas. Este há de permanecer comigo. Sobre o autor: quem sai aos seus, não degenera.

Como sabem os poucos que me conhecem, tenho muita admiração por Ariano Suassuna, tanto que pretendo falar sobre o Movimento Armorial na minha conferência anual na Academia. Mas dei com esta historieta contada por ele, que ora reproduzo:
Aí, continuei a escrever poemas e, aos 18 anos, no colégio, tive um professor de geografia que era interessado em literatura. Quando foi um dia, ele passou uma prova lá e eu não estava preparado... aí taquei literatura. Era uma prova sobre aspectos do relevo brasileiro. Eu falei sobre Drummond, Aleijadinho, falei o diabo, só não falei do relevo. Me lembro que tinha alguns nomes como o rio São Francisco, o rio Amazonas, o Planalto Central e as coxilhas do Rio Grande do Sul... Então ele foi entregando as provas e disse: "Essa aqui eu deixei pro fim porque quero conhecer o autor, que pode não ser bom em geografia, mas gosta de literatura." Eu disse: "Fui eu." Aí ele pergunta se eu gosto de literatura e se escrevo. Aí eu digo; "Escrevo." "Escreve o quê?" "Escrevo poesia. "Ele disse: "Me traga um poema." Aí, na aula seguinte eu levei. Ele pegou e disse: "Você pode emprestar?" Eu digo: "Posso." Rapaz, ele me fez uma surpresa... que alegria! Quando foi no domingo, abri o Jornal do Commercio , estava publicado. Foi em 7 de outubro de 1945.

Depois de tanto alarde, descobriu-se que Cristina Kirchner não tem câncer, apenas uma "massa benigna"  na tireoide -já extirpada durante a cirurgia a que foi recentemente submetida. Vai superar Isabelita Perón no aspecto santidade, até porque já operou um milagre em vida, favorável a si própria. Vitória latinoamericana contra o terror imperialista, dirá Chávez, do alto de sua condição de sumidade em teorias conspiratórias. Essa história de "massa" em lugar de cãncer é minha velha conhecida. Né, pai?

Falando em santidades e afins, Laudato me escreve de Salerno para dizer que ocorrerá no dia 29 de abril, no Vaticano, a beatificação de Giuseppe Toniolo, o "economista de Deus". Sabe-se lá por qual motivo Deus precisaria de economistas em sua corte, mas enfim... Devo admitir que ele, Laudato, está mais empolgado que eu quanto ao lontano parentesco que tenho com o ilustre trevigliano.

Assisti ontem ao Sporting-Porto, direto de Lisboa. Um bando de trogloditas se digladiando, ao invés de um jogo de futebol. Uma correria insana, de deixar zonzo quem não é aficionado de algum dos clubes envolvidos na "peleja". O resultado não poderia ser outro que não o gelado zero a zero.

O Grupo Porto Editores lança seu catálogo para 2012: Rubem Fonseca, Carlos Fuentes e Andrea Del Fuego, vencedora do último Prêmio Saramago. Nada mal...






sábado, 7 de janeiro de 2012

A boca de um poeta não tem céu: tem firmamento (Paulo Bandeira da Cruz)

Este é daqueles dias em que, contrariado, confuso e cansado (devo ter dosado mal as energias durante a semana), desejo somente silêncio e alguma leitura. Daqueles dias em que o desejo de me mudar me turva o raciocínio. Só hoje de manhã já morei em Recife, Maceió, Taubaté, Salvador e Ubatuba.

Dispus-me finalmente e reimprimir e enviar on certificado do ano passado ao venezuelano Carlos Rodríguez, que mora nos Estados Unidos. Via econômica, ainda vai um tempo até chegar. Pelo que me consta, a tradução do livro de Luana até hoje não chegou, lá no longínquo Piemonte.

Experimento novamente o apavoramento de me sentir ameaçado. O carro esporte preto, de vidros também escurecidos, todo cheio de adesivos, estaciona ao lado do meu, mantém o motor ligado e se demora, sem que eu consiga ver quem (ou quantos) há em seu interior. E se alguém está querendo dar cabo de mim pelo que eu disse ontem, no trabalho? EStou seguro que há criminosos infiltrados na companhia. Chego a sentir a pressão do cano do revólver encostando em minha têmpora. Diviso, no painel do carro, uma enorme Bíblia. O carro parte.

Pai, como é que é a morte?

Calligaris, na Ilustrada, fala de sua passagem pela Cidade do Panamá, no final do ano. que coincidiu com o retorno ao país do ex-ditador Noriega, que estava preso na França  por corrpução, tráfico de drogas, envolvimento com crime organizado e lavagem de dinheiro. enfatiza toda a excitação e animosidade do povo panamenho com relação è presença de estrangeiros no país, neste momento de "lavagem de roupa suja dentro de casa". A propósito do novo ano, cita uma canção de Lucio Dalla, " L´ Anno Che Verrá". Encerra o texto com uma citação filosófica e psicanalítica (que é sua formação): 'há várias razões de não conseguirmos realizar nossos desejos; talvez a principal delas seja que, frequentemente, não estamos dispostos a pagar o preço que esses desejos exigem de nós'.

Preciso voltar a fazer trovas.


sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Entrarei no Altar de Deus / com a minhalma engomada / meu verso passado a limpo / minha palavra lavrada / meu silêncio construído / com o impuro branco do nada (Paulo Bandeira da Cruz)

Bendini, a partir de hoje, no NPB.

Ideias: organizar um concurso literário entre os membros da AJAPE, em parceria com a Academia. Quorum, pelo menos, teríamos na tarde da premiação.

Para o Prêmio Estudantil 2012, uma redação sobre Monteiro Lobato.

No Araucária, criar uma seção exclusiva para os concorrentes estrangeiros. Daria mais espaço, e mudaria o perfil do certame. Os gringos ficariam felizes...

Muito Correio, hoje, com o despacho do Sandálias e antologia de Ubatuba para Brasília, Estados Unidos, Recife, Rio, Salvador e Aparecida. Meras retribuições.

'(No fim, tu morres. No fim do livro, tu morres. Assim mesmo, como se morre nos romances: sem aviso, sem razão, a benefício apenas da história que se quis contar. Assim, tu morres e eu conto. E ficamos de contas saldadas)'. Um livro com um começo desses deve ser, no mínimo, uma leitura marcante. Seu nome é No Teu Deserto, e o autor, Miguel Sousa Tavares, lançou recentemente o romance Equador, muito bem recomendado e alardeado por aqui. Busco sobre ele na internet, e descubro tratar-se do filho de Sophia de Mello Breyner Andresen, um dos ícones da literatura portuguesa mais recente. Defensor ferrenho dos direitos de quem fuma, chega a qualificar os vetos aos fumantes como ação persecutória que remete ao nazismo. E questiona: 'eu também me sinto incomodado com as crianças que berram dentro dos restaurantes, e não há quem lhes cale o pio'.  A julgar pelas primeiras vinte e cinco páginas (quase um quarto do total) de No Teu Deserto, será leitura das mais interessantes.

Alguém pergunta sobre Paulo Bandeira da Cruz, autor que descobri no Pernambuco, Terra da Poesia. Só sei dele o Ciranda de Sonetos. Mesmo assim, de ouvir dizer.

Para quem acha que reclamo sem razão do que encontro no ambiente corporativo, dou exemplo: 'Benilson, você viu que está com câncer, a presidente de Buenos Aires?'

O quadro que mais senti falta no livro de Furini sobre Vincent foi "Campo de Trigo com Corvos". Dir-lhe-ei.

Tudo indica que encontrei o mote para o artigo solicitado por Malosti: "O Que Têm a Dizer os Novos Poetas Taubateanos?"

Quem leu o Sandálias, diz que gostou. O que não quer dizer nada.

A última do Veias Abertas: 'Na história dos homens, cada ato de destuição encontra sua resposta -cedo ou tarde- num ato de criação'.

Convidam-me para a primeira reunião de um grupo denominado 'Campos do Jordão Avante'. O nome parece coisa de escoteiro. Se não me engano, era este o mote do Falcão Azul e seu cachorro Bionicão nas tardes globais de domingo, anos 1970 ou 1980. Só pelo nome do neogrupo, já dá pra saber o que deve vir por aí. Vou não.





quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Minha sombra em seu caminho / pratica um ser de verdade / e outro ser em desalinho / Até que o sol feche a sombra / com sua chave de linho / deixarei que a sombra fique / que um coxo parte é sozinho (Paulo Bandeira da Cruz)

Querer me convencer que é normal que um secretário municipal tire dinheiro do próprio bolso para realizar um coquetel para a Prefeitura é um pouco demais.

O final do excelente Purgatório: 'E no súbito silêncio, que se abateu no brejo sobre as águas, boiou o espírito de Resmungo, num sono bom e pesado, sono de lama, que era paz e comunhão total com a terra e  com a eternidade'.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Uma palafita / é o esqueleto / e o féretro / do seu arquiteto (Arnaldo Tobias)

Retiro da estante o 'Purgatório', romance regionalista de Paulo Dantas, de 1971, pelo Clube do Livro. O autor andou muito por estas terras, é (foi, dado que faleceu em 2007) membro da nossa atuante Academia de Letras (descobridor de Mauro Valle) e prestou serviços relevantes à cultura brasileira, inclusive como representante da UBE, a União Brasileira de Escritores. Foi apadrinhado de Monteiro Lobato pela sua semelhança física com um dos filhos do escritor, Guilherme, que morreu em Campos do Jordão (o outro filho de Lobato, Edgard, morreu da mesma doença do irmão, tuberculose, também enquanto o pai estava vivo, em Tremembé). A saga da valente família rural sergipana formada pelo patriarca Resmungo, mais Rosto Bonito, Sensitiva, Hortalino, Jeremias, Daniel, Teosófaro, Jove e Conceição no estertor da Guerra de Canudos é um livro admirável, com estilo claro e conciso, objetivo e cruelmente real. Há ainda muito a ler da obra de Paulo Dantas, que nos deixou em 2007.

Pedem-me um artigo sobre o atual momento da literatura vale-paraibana, e observam que o texto deve ser, preferencialmente, em tom ácido. Muito há a se "provocar" sobre o que é feito atualmente por aqui. Só acho notável que convidem um autor jordanense para falar sobre isto. Da mesma forma, também LAC me pede um texto para um seu novo projeto, e envio uma resenha sobre os Poemas do Não e da Noite, de Roldão Mendes Rosa, um dos livros da minha vida. Vida esta que segue, sob o ritmo imposto pelas palavras.  

O Araucária, últimos textos chegando: Veranópolis, Campinas, Piracicaba, Niterói.

Alexandre Barbosa, de Aparecida-SP, envia mais uma edição do seu impagável Lince.

Desta vez, não ofereci muita resistência. Saio candidato a vice-presidente da Academia de Campos do Jordão, em chapa única. Vou preparando minha colaboração à causa: ideias não hão de faltar.

Só sei conversar com livros. As pessoas, em geral, me exasperam. Segundo Oz, o melhor são livros com pessoas dentro.

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

É meu coração aturdido que me anuncia a proximidade do fim (Isabel Allende)

Muito oportunamente, a Folha publicou na edição de ontem uma entrevista (mais parecia uma conversa informal) concedida por Piza a João Pereira Coutinho, que parece ter falado mais que o entrevistado, em 2008.

Já na Ilustrada de hoje, Pondé parece querer fazer gênero. Está em Tel Aviv. "Não conto com a misericórdia de Deus porque não a mereço. Não temo pessimismos cosmológicos. Não espero nada na vida em termos de recompensa moral. Antes de tudo porque não sou uma pessoa boa. Raramente me preocupo com os outros, e a África pouco me importa. Nem a fome. Nem as baleias. Nem você". Ui.

Falando em Israel, ontem à noite fiz algo raro: assisti integralmente ao Roda Viva, com o escritor e pacifista Amos Oz. Com exceção de Paulo Werneck, editor da própria Folha, que me pareceu inclusive um tanto afobado e deselegante ao tentar a todo instante interromper seus pares (além de adotar uma postura de inquisidor, vou mostrar pra esse cara que não me impressiono com ele), os demais, na maior tempo do tempo, mantiveram uma postura de assertividade e quase subserviência, com colocações e perguntas rasas. Há muito o que dizer sobre Amos Oz. O que mais me impressionou foi seu refinado senso de humor -característica dos judeus, segundo ele. Esteve nos campos de batalha em 1967 e 1973, quando os árabes procuravam destruir Israel. Hoje, combate o fanatismo: 'o fanático é alguém que não quer mudar de opinião e também não muda de assunto'. Falou sobre Clarice Lispector -sobre quem foi evasivo- e Jorge Amado, cuja obra leu com entusiasmo na juventude e hoje, na maturidade, causa-lhe menor impacto. 'Mudei eu, ou mudou ele'. Principais influências são os russos do século 19: Tolstoi, Dostoiévski e, principalmente, Tchekov. Ressaltou a importância dos críticos para o aperfeiçoamento do seu estilo narrativo ('críticos são leitores com canetas'). Cerca de 90% da entrevista, penso eu, foi marcada pelo conflito Israel-Palestina, com destaque para o otimismo do entrevistado com resolução a uma saída diplomática e conciliadora para a questão. 'O que falta é coragem'. O recado de Oz está dado.

Para um jovem porteiro de 28 anos em crise conjugal com a namorada (pode, isso?), e que lê auto-ajuda, ofereço A Romana, o livro de Moravia que li no ano passado.

Algumas doações à Biblioteca Municipal e retirada de "A Noite a a Madrugada", de Namora. Edições Guimarães, Portugal.

'Que Farei Com Este Livro?', já se perguntava Saramago years ago. O mesmo questionamento faço eu, ao contemplar a centena de exemplares do Sandálias Paternas em uma das prateleiras do quarto-verde.

O grande homem de nossa cultura local gravemente doente. 2012 já tem uma tragédia prevista para ocorrer em nossa cidade.

'Neste nosso mundo, mundo de centros poderosos e subúrbios submetidos, não há riqueza que não seja, no mínimo, suspeita'.

'Sempre que o Estado passa a ser dono da principal riqueza de um país, é bom perguntar quem é o dono do Estado'. 

'Em Cuba, todos têm acesso aos frutos do desenvolvimento e a solidariedade é o eixo das relações humanas'.

As três citações acima pertencem ao livro As Veias Abertas da América Latina, do uruguaio Eduardo Galeano, que já muito citei no Primeiro Diário e cuja leitura, que hoje encerro, me marcou a passagem de ano. Não me consta que o autor tivesse alguma vez na vida pensado em se mudar para a ilha de Fidel. Que fascínio o regime caribenho exerce sobre os grandes escritores de nossa geração... Talvez por ser a única forma de combater, verdadeiramente, o imperialismo. Pronto, virei galeanista.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Meu coração sofre todas as urgências (Nélida Piñon)

Procuro entrevistas na internet. João Ubaldo Ribeiro ao Entrelinhas, quando do lançamento de O Albatroz Azul, um dos seus mais recentes romances. Gostei da descontração da passagem em que ele conta sobre a campanha de Jorge Amado pela sua dele entrada na Academia Brasileira de Letras, e o encanto do autor de Mar Morto pelo aparelho de fax. Cita Picasso: "a arte é uma mentira através da qual se vê uma verdade". Na Globonews, fala do processo de criação de seus principais livros, entre eles Sargento Getúlio, e do exagero que considera certas referências a Viva o Povo Brasileiro. Sobre a Europa (João viveu em Berlim): "sofre um processo de revertério da colonização, que é a invasão do continente por cidadãos africanos e asiáticos provenientes de países que ela mesmo, a Europa, inventou".

No documentário sobre Rachel de Queiroz causou-me espécie a recorrente repulsa que ela declara ter por seus livros, em especial O Quinze, Dôra, Doralina e o Memorial de Maria Moura. Tive o juízo acerca desta escritora prejudicado pela antológica cena de Caio Fernando Abreu no Roda Viva quando, claramente, ele faz menção ao passado integralista de Rachel. Há que se ler, mais e melhor, a cearense. Não posso dizer o mesmo de Caio.

Esta edição do Veias Abertas, da Paz e Terra, de 1987, traz um posfácio do próprio autor, de aproximadamente vinte páginas, sobre suas considerações acerca do tema sete anos depois da primeira edição, de 1976. Vamos a ele, pois. A parte que antecede o posfácio (o final do livro) termina assim: "Há aqueles que crêem que o destino descansa nos joelhos dos deuses, mas a verdade é que trabalha, como um desafio candente, sobre a consciência dos homens". Um estilo filósofico a divergir do jornalístico adotado durante toda a narrativa, como aqui: "Para ganhar o que um operário francês percebe em uma hora, o brasileiro tem que trabalhar, atualmente, dois dias e meio. Com pouco mais de dez horas de serviço, o trabalhador norte-americano ganha, em equivalência, um mês de trabalho do carioca. E para receber um salário superior ao correspondente a uma jornada de oito horas do operário do Rio de Janeiro, é suficiente que o inglês e o alemão trabalhem menos de 30 minutos".

O posfácio, então: "A resposta mais estimulante não veio das páginas de algum suplemento literário de jornal, senão que de alguns episódios reais ocorridos na rua. Por exemplo: a moça que ia lendo o livro para sua companheira de assento e acabou pondo-se de pé e lendo em voz alta para todos os passageiros enquanto o ônibus atravessava as ruas de Bogotá; ou a mulher que fugiu de Santiago do Chile, nos dias da matança, com o livro envolto nas fraldas do bebê; ou ainda o estudante que durante uma semana percorreu as livrarias da rua Corrientes de Buenos Aires e foi lendo de pedacinho em pedacinho, de livraria em livraria, porque não tinha dinheiro para comprá-lo".
"A linguagem hermética nem sempre é o preço inevitável da profundidade. Em alguns casos pode estar simplesmente escondendo uma incapacidade de comunicação, elevando-a à categoria de virtude intelectual".