segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Poeta é um ente que lambe as palavras e depois se alucina (Manoel de Barros)

Na manhã do domingo pós-horário de verão, levamos Mellie, a cucciolina, para um passeio de Abernéssia até o Jaguaribe. Saindo de casa, Leonardo enfiou o dedo por baixo da porta do porta-malas do carro, o que lhe rendeu muitas lágrimas e uma mancha roxa no dedo mínimo da mão esquerda. Bruno me acompanhou até a praça do Artesanato, mas não estava lá o artista Ivan, com quem eu gostaria de trocar algumas palavras. Voltamos da caminhada cansados e felizes. Ganhei um pequeno bronzeado gerado pelo sol lindíssimo que acompanhou o domingo. Pensei em comprar a Folha, mas desisti pelas notícias da capa, a saber: morte de dois militares brasileiros na base do país na Antártida; menininha de três anos morre atropelada por um Jet ski desembestado e sem condutor em uma praia de Bertioga; menina de quatorze anos morre em parque de diversões famosíssimo, porque a trava do brinquedo (brinquedo?) em que estava soltou e ela foi arremessada; menina de doze anos é estuprada dentro de um ônibus no Rio de Janeiro; dois jornalistas estrangeiros são mortos em ataques na Síria; desfile das campeãs do Carnaval carioca. Pensei que a compra valeria a pena por conta dos articulistas. Mas desisti. As más notícias são muitas.

O resto do dia passei em leituras e anotações que aqui transcreverei, qualquer hora dessas.

Comecei a escrita de um novo livro, em prosa, sobre a história de Cascalho, um personagem que ainda não sei bem o que é. Se menino, se homem, se louco, se poeta. O que importa neste momento é incorporar, no momento da criação, a linguagem que será o elemento diferencial. Um exemplo da experimentação:       Levaram ele na escola para contar para os estudantesses a danação das almas penadas que padeciam no barquinho do ser Caronte, e a historinha do cachorro de três cabeças que guardava as portarias do inferno e que atendia pelo nome demoníaco de Cérbero.
Mas quando ele disse que a historia durava oitocentas e quarenta e cinco horas e que ele  só podia ficar seiscentas e poucas porque tinha que ficar de guarda para o caminho rumo vereda das formiguetas amigas suas, mandaram ele embora daqui seu moleque.
Experimentações, como eu já disse, de um livro que vai demorar para ficar pronto. Talvez só depois dos lançamentos do Mar de Amares e do Poesia Coxipó.
Segundo a Secretária, o lançamento de Mar de Amares será em 24 ou 25 de abril.
Ritelisa não se manifestou quanto ao meu convite de escrever a contra-capa do Coxipó. Que saco.
Nasceu Francisco, o primogênito de Andrea Del Fuego, vencedora do Prêmio José Saramago do ano passado. Com as bênçãos de Pilar Del Rio.
Dizia no sábado do artigo de Varella da Ilustrada. Excerto: “O lema ‘lugar de bandido é na cadeia’ é vazio e demagógico. Não temos nem teremos prisões suficientes. Reduzir a população carcerária é imperativo e urgente. Não cabe discutir se estamos a favor ou contra, não existe alternativa. Empilhar homens em espaços cada vez mais exíguos, não é mera questão de direitos humanos, é um perigo que ameaça todos nós. Um dia eles voltarão para as ruas’. Mensagem clara e direta de alguém que conhece como poucos o sistema prisional brasileiro. Quem tiver ouvidos, ouça.
Saquei da estante uma Cult de dezembro e fui direto às entrevistas com Rubem Alves e Valter Hugo Mãe. De Rubem: “As crianças já começam a ser moldadas para passar no vestibular, que é a ideia que passou a ser dominante na nossa educação”. E: “Os pais são os maiores inimigos da educação porque não sabem o que ela é”. Um tema para ser discutido. E não faltou a referência, na entrevista, a Nietzsche, o que não é novidade para quem conhece minimamente o discurso de Rubem.
De Valter: “Acredito que quem não lê tem como que uma cabeça menor. É como decidir ter um pensamento mais limitado, uma vida mais limitada”. Na mosca. No original, ele disse ‘cabeça mais pequena’, que troquei por ‘menor’ para que os intelectuais de plantão não me chamem ignorante por tabela. E: “Importa-me pensar na minha vida como um lugar de passagem em que posso deixar uma melhor herança.” Frase recheada de espiritualismo, espirituosidade. Ambas vão para o baú de guardados.
Bruno estudando a tabela periódica, Leonardo se divertindo com a língua portuguesa.
No sonho, eu começava a organizar um grupo de estudos sobre Kafka, com base no livro de Rozsas, que a esta hora provavelmente repousa em uma das estantes do Mercado.
Saracoteando na Biblioteca, vi que Abdias e Incidente em Antares permanecem na fila para doação. Pobrezinhos, pularam de alegria quando me viram. Boa sorte, crianças, e que alguém os adote rapidamente, e seja bonzinho com vocês.

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