quinta-feira, 1 de março de 2012

Dediquei a maior parte de minha vida à literatura, e só posso lhes oferecer dúvidas (Jorge Luis Borges)

A vida ensina a sermos fiéis àquilo que amamos. Demora, mas acontece sempre. Por necessidade ou vergonha-na-cara, a gente acaba melhorando. Achei uma grande sacanagem a morte de Lucio Dalla, meu músico preferido. Algumas composições suas me marcam a vida: Anna e Marco, Felicittà, Il Cucciolo Alfredo, Henna, Itaca, Ayrton, Come Fanno I Marinai, Come È Profondo Il Mare, L'Anno Che Verrá. Uma infinidade delas me encanta, e no dia-a-dia, distraída e involuntariamente, me flagro assoviando e cantarolando Dalla. Perdi a conta da contribuição de suas canções para o enriquecimento do meu vocabulário. Há cerca de vinte anos, ainda no Guarujá, comprei um LP com seus "greatest hits' só para ouvir uma música. Depois comprei o "A Modo Mio". E era daquela forma que os ancestrais faziam -encarte com as letras das músicas em uma mão, dicionário na outra- que acabei me familiarizando algumas palavras e expressões. Houve uma época em que eu não falava italiano, falava "dallaiano". Entre um e outro disco, veio o dicionário comprado num sebo do Centro. Sua morte é pois, para mim, uma tragédia. Ensaiei uma lágrima, natimorta devido às atribulações do trabalho. Minha italianidade rompe a pele e me reduz a um homem portando uma dor que não poder ser compartilhada, por motivos vários. Procuro na internet amigos que possam entender tamanha tristeza -amigos que partilhem da mesma dor: Vezio Nardini, Zaira Cantarelli, Sabato Laudato, Lucia Beltrame, Luana Zampieri, meus filhos pequenos, Bruno e Leonardo. Disparo um torpedo para Simone, Minha Luz: quando a gente se encontrar, você me dá um abraço? Que terá a dizer Contardo Calligaris, que recentemente citou Lucio em de seus artigos na Folha? Lucio Dalla, bolognese como Umberto Eco, não está mais vivo. E esta é uma ausência que permanecerá para sempre.

Véspera de viagem, avião e tudo. A excitação das primeiras horas pós-confirmação se transforma num desejo de ficar, de permanecer, de não sair de casa nem de perto de Simone e dos meninos. Ontem à noite, o clima já era pesado. Nem eles querem que eu vá, nem tampouco eu quero ir. Nem o apelo de conhecer a capital da república me atrai. Queria mesmo ficar, passar o final de semana em casa, com nossas coisas, nossas manias, nossa rotina. Simone teme ficar sozinha com os meninos, eu sei. Mas vejo que o que mais a incomoda é a ausência. Que o domingo, então, chegue logo, e eu consiga pegar o ônibus das dez horas de volta para casa.

Sempre duvidei de todo esse puritanismo de Patativa do Assaré. A cegueira, o problema de audição, o velho poeta sertanejo descoberto para o Brasil na sua mais pura inocência, as imagens da casa pobre e do sertão distante, Ceará-Piauí, o gênio brasileiro que surge como milagre em meio à terra seca. Sempre achei um pouco de jogo de cena, uma situação não natural e forçada. Pois o ensaio "A Trajetória de Um Canto", de Luiz Tadeu Feitosa, que adquiri há poucos dias em São José dos Campos, dá exatamente esta noção de que Antonio interpreta o personagem Patativa o tempo todo. A leitura é longa, são mais de trezentas páginas e mal passei ainda da de número cinquenta. Isso, se levar a leitura até o fim. Há anotações a fazer, mas passei do ponto, tenho que voltar atrás. A contar as quatro horas de viagem de casa até o aeroporto, acho que localizo para o registro.

Além de Patativa, preciso voltar a ler A Divina Comédia, parada no Canto VI. Como diria Suassuna, duas leituras demorosas.

Houve por aqui um treinamento de condução de cães, cuja parte teórica assisti. Chegando em casa, tentei aplicar parte do que aprendi em Mellie, a cucciolina. Parece que deu certo. Pelo menos a parte que penso ter entendido. Ela está, ao que parece, mais calma e obediente. Pelo menos comigo. Resta, agora, dar sequência ao meu adestramento.

Sem comentários:

Enviar um comentário