domingo, 25 de março de 2012

Uma nação que negligencia a percepção de seus artistas entra em declínio. Depois de um certo tempo ela cessa de agir e apenas sobrevive (Ezra Pound)

É salutar aproveitar o silêncio das primeiras horas da manhã de domingo. Barulho, só o latido dos cães e os gritos dos gaviões e demais pássaros que abundam na mata do Morro-Grande, atrás da Casa. Todos dormem. Perdem o espetáculo que desenvolve a manhã, com a visão da neblina que se alterna com a luz do sol e se estende sobre a Cidade, embranquiçando os morros e o céu. Rebrilha sobre os matos de todos os tamanhos e espécies ainda o orvalho da noite, que escorre preguiçoso das folhas como um amante exausto. É linda esta hora jordanense. Mais ainda porque a maioria das pessoas dorme, e a quietude impera, soberana.
Não há facilidades na fruição do romance de Namora. Pelo contrário, é esta uma prosa árida, pedregosa, dificultosa, labiríntica, que desafia o leitor a se perder em seus volteios. Deliciosos, entretanto, os termos belíssimos de um português quase arcaico. As desventuras do pobre Pencas em meio às dificuldades de sobrevivência de uma país agrário e subdesenvolvido onde a educação, certamente, se configurava num luxo. Época de Salazar e sua aversão ao desenvolvimento. Para conhecer Fernando Namora, tenho a impressão de ter começado pelo livro certo.
Hesito em comprar o jornal. Não me apetece  a edição dominical, com pouca notícia e muitos artigos especiais que, em geral, não me interessam. Devo ficar somente com o livro. A Veja, talvez.
Continua o rosário de óbitos relevantes. Antonio Tabucchi, escritor italiano, sessenta e oito anos, especialista em literatura portuguesa, que mudou-se para Lisboa pelo imenso  amor que desenvolveu pelo país, causado sobretudo pela leitura constante de Fernando Pessoa, morreu esta manhã. O problema é que, suponho, não temos tanta inteligência disponível para repor perdas destas relevâncias. A mesma idade de Dalla. Estes mortos têm me golpeado à sorpresa, em pequenos aniquilamentos.
Saímos a catar pinhões pelas ruas chiques e vazias do Capivari. Leonardo e Bruno de bicicleta. Enchemos somente meio saco. O suficiente para darmos, à nossa moda, boas vindas ao outono, que já derruba acintosamente milhares de páginas pelas ruas esburacadas e mal-cuidadas da Cidade. Nada mais jordanense que catar pinhões distraidamente numa manhã silenciosa de domingo, numa breve e pacífica declaração de amor.
Tento convencer Mellie, a cucciolina, que ela foi contratada para cuidar da casa, e não da rua. Não adianta. A cada pessoa ou veículo que passa pelo nosso portão, ela parece ser acometida por uma síncope. Tenho lhe apelidado Dilma.

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