quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Eu queria mesmo é que minhas palavras fizessem parte do chão como os lagartos fazem. Eu queria que minhas palavras de joelhos no chão pudessem ouvir as origens da terra (Manoel de Barros)

O Brasil é um país em adiantado processo de imbecilização. Não é necessário, para constatar a veracidade desta afirmação, ler jornais ou revistas ou assistir aos jornais de maior audiência na TV. Basta ligar o rádio e conversar com uma ou duas pessoas na rua. Bom, conversar é maneira de dizer. Tente, no máximo, fazer contato. Parece que falam uma língua que não é a portuguesa, com trejeitos que desconhecemos, olhares de quem espera uma mínima oportunidade de levar qualquer tipo de vantagem. Um país sem educação, sem cultura e sem memória. Por isso me atenho a Suassuna, Zé Lins, Monteiro Lobato, João Cabral, Gonzagão, Antonio Nóbrega, Pena Filho, Leminski, Mendes Brandão. Para enxergar o que restou daquilo que um dia chamados de País. Somos apenas um amontoado que não sabe sequer para onde está indo. Evangélicos xiitas, defensores dos animais, bolsistas do governo, politiquinhos, pseudo-escritores, facebookianos, discursadores sem mensagem, gente que dá entrevista na televisão sem jamais ter lido um único livro, petistas, ambientalistas, curadores de bienal, acadêmicos, menininhas erotizadas aos dez anos, pais pusilânimes e permissivos, rainhas dos baixinhos, cozinheiros e suas manias, mulheres nuas que mais se parecem com robôs, garanhões marombados, padres escritores e suas coreografias idiotas, executivos tentando aprender a neolinguagem dos negócios, aviões que caem, classe média andando de navio sem nem saber localizar no mapa o Estado da Paraíba. Estamos a caminho do extermínio intelectual e moral, numa espécie de antropofagia involuntária. No fundo, no fundo, já perdemos a luta para a ignorância e o primitivismo.

Redigi finalmente o texto de apresentação para o Mar de Amares.
Ei-la:

Sarangerel, Blimunda, Vassilissa, Camoã e Simone (pilar).
Cinco mulheres, cinco memórias que resistem à passagem dos anos e à imensidao do tempo.
A primeira desafiou impérios, ditaduras, ideologias e cárceres para, quase no fim da vida, retornar ao amor que havia sido deixado em lugar tão distante (O Planalto e a Estepe, Pepetela).
A segunda nasceu com o dom de, quando em jejum, ver o que vai dentro da alma das pessoas. Condenada, lutou com e por seu amado até que as esperanças fossem esquecidas e, as passarolas, derrubadas (Memorial do Convento, José Saramago).
Já a terceira rebelou-se, ainda que tardiamente, contra a sina que vinha de avó a neta. Cansou-se e, resoluta, agarrou-se ao sonho como quem se agarra à vida. Ou ao amor pela literatura (Mediterraneo, Gabriele Salvatores).
A quarta nasceu de uma estrela que brilhava em meio à noite escura, enquanto procurávamos entendimento em meio ao negror do oceano. Nasceu Camoã porque nome composto de umidade e silêncio (Ponta da Praia, Santos, 1993).
Já Simone (pilar) é porto. Casa de abrigo e refrigério. Doçura de noites calmas e esperanças renovadas -quase que diariamente. Ancoradouro de fé, colunas de ternura, orvalho sereno em meio à serrania (Campos do Jordão, 1994).
Ao fim de tudo, são cinco histórias de amor, cinco desejos da carne e do espírito, mulheres cuja matéria é a mesma de que são feitos os sonhos e os corações.
Este é um livro que fala de amor.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

O homem não se transfigura senão pelas palavras (Manoel de Barros)

O ANO DE 1993, José Saramago, excertos:

Início: As pessoas estão sentadas numa paisagem de Dalí com as sombras muito recortadas por causa de um sol que diremos parado

Porém não devemos esquecer que o mar é o princípio e o fim de todas as coisas

Quando o mar cobrir os continentes gastos e a terra rebrilhar no espaço como um espelho gelado

Agora os homens apenas procuram o mar para se lamentarem diante da grande voz das ondas

Que em verdade não excluem uma maré renovada e uma coragem à medida do tempo que passou desde a primeira de todas as mortes

À mais grave ocupação de todas que é a de pensar ninguém dá atenção

O ocupante

Porque onde a terra estiver mais fresca ali estará agitando-se devagar o oculto

Nenhum lugar é suficientemente belo na terra para que doutro lugar nos desloquemos a ele

De dia uma enorme ausência guarda as portas da cidade

E as ruas têm aquele excesso de silêncio que há no que foi habitado e agora não

Uma das pessoas vai riscando no chão uns traços enigmáticos que tanto podem ser um retrato como uma declaração de amor ou a palavra que faltasse inventar

Quando o sol nasceu e a horda saiu para o ar livre e para o mundo aprisionado
O homem sentou-se no chão dobrado como um feto
E prometeu morrer sem resistência se a lepra que lhe nascera durante a noite não fosse nunca descoberta pelos companheiros que talvez ainda soubessem ler

Uma labareda que vinha no braço levantado e que era a própria mão ardendo da luz do sol roubada

O próprio vocabulário sofrera transformações e haviam sido esquecidas as palavras que exprimiam a indignação e a cólera

Todas as calamidades haviam caído já no ponto de se falar da morte com esperança

Assim a noite passou sobre esta paz que não conhecia pesadelos

Estão agora sobre nós as gaivotas pairando e deixam pender um pouco a cabeça para melhor nos fitarem e decidirem quem somos

O mundo durante o minuto seguinte vai ficar rubro cereja e os homens e as mulheres parecem flutuar no interior de um forno e são imortais

É este o preço da paz quando o amanhecer vem perto e o medo de morrer é esse mais humano de não viver bastante

Feito o que desenharam o retrato de si próprios segurando uns toscos paus e na transparência do peito limitado por dois riscos laterais marcaram o lugar que deve ocupar um coração vivo

Para que verdadeiramente seja um trabalho nosso e comecem a ser possíveis todas as coisas que ninguém prometeu aos homens mas que não poderão existir sem eles

E pelos campos fora arderam fogueiras que fizeram da terra vista do espaço um outro céu estrelado

Uma vez mais a ida e o regresso e agora a esperada fadiga entre duas altas montanhas num chão de pedra onde a sombra de repente fica enquanto o corpo se dissolve no ar

Assim olhar apartado a própria sombra com olhos invisíveis e sorrir disso enquanto as pessoas perplexas procuram onde nada está

Final: Consoante se conclui de nada haver debaixo da sombra que a criança levanta como uma pele esfolada.

Ou muito me engano –e me engano todos os dias- ou estamos aqui a falar, pelos caminhos que José nos abre, da Primavera Árabe. Lembro-me também de uma entrevista de Pilar ao Diário de Notícias (ou terá sido ao Público?) em que ela dizia que José havia previsto os protestos que redundaram na queda de ditadores pelo povo. Pode ser.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Poeta é um ente que lambe as palavras e depois se alucina (Manoel de Barros)

Na manhã do domingo pós-horário de verão, levamos Mellie, a cucciolina, para um passeio de Abernéssia até o Jaguaribe. Saindo de casa, Leonardo enfiou o dedo por baixo da porta do porta-malas do carro, o que lhe rendeu muitas lágrimas e uma mancha roxa no dedo mínimo da mão esquerda. Bruno me acompanhou até a praça do Artesanato, mas não estava lá o artista Ivan, com quem eu gostaria de trocar algumas palavras. Voltamos da caminhada cansados e felizes. Ganhei um pequeno bronzeado gerado pelo sol lindíssimo que acompanhou o domingo. Pensei em comprar a Folha, mas desisti pelas notícias da capa, a saber: morte de dois militares brasileiros na base do país na Antártida; menininha de três anos morre atropelada por um Jet ski desembestado e sem condutor em uma praia de Bertioga; menina de quatorze anos morre em parque de diversões famosíssimo, porque a trava do brinquedo (brinquedo?) em que estava soltou e ela foi arremessada; menina de doze anos é estuprada dentro de um ônibus no Rio de Janeiro; dois jornalistas estrangeiros são mortos em ataques na Síria; desfile das campeãs do Carnaval carioca. Pensei que a compra valeria a pena por conta dos articulistas. Mas desisti. As más notícias são muitas.

O resto do dia passei em leituras e anotações que aqui transcreverei, qualquer hora dessas.

Comecei a escrita de um novo livro, em prosa, sobre a história de Cascalho, um personagem que ainda não sei bem o que é. Se menino, se homem, se louco, se poeta. O que importa neste momento é incorporar, no momento da criação, a linguagem que será o elemento diferencial. Um exemplo da experimentação:       Levaram ele na escola para contar para os estudantesses a danação das almas penadas que padeciam no barquinho do ser Caronte, e a historinha do cachorro de três cabeças que guardava as portarias do inferno e que atendia pelo nome demoníaco de Cérbero.
Mas quando ele disse que a historia durava oitocentas e quarenta e cinco horas e que ele  só podia ficar seiscentas e poucas porque tinha que ficar de guarda para o caminho rumo vereda das formiguetas amigas suas, mandaram ele embora daqui seu moleque.
Experimentações, como eu já disse, de um livro que vai demorar para ficar pronto. Talvez só depois dos lançamentos do Mar de Amares e do Poesia Coxipó.
Segundo a Secretária, o lançamento de Mar de Amares será em 24 ou 25 de abril.
Ritelisa não se manifestou quanto ao meu convite de escrever a contra-capa do Coxipó. Que saco.
Nasceu Francisco, o primogênito de Andrea Del Fuego, vencedora do Prêmio José Saramago do ano passado. Com as bênçãos de Pilar Del Rio.
Dizia no sábado do artigo de Varella da Ilustrada. Excerto: “O lema ‘lugar de bandido é na cadeia’ é vazio e demagógico. Não temos nem teremos prisões suficientes. Reduzir a população carcerária é imperativo e urgente. Não cabe discutir se estamos a favor ou contra, não existe alternativa. Empilhar homens em espaços cada vez mais exíguos, não é mera questão de direitos humanos, é um perigo que ameaça todos nós. Um dia eles voltarão para as ruas’. Mensagem clara e direta de alguém que conhece como poucos o sistema prisional brasileiro. Quem tiver ouvidos, ouça.
Saquei da estante uma Cult de dezembro e fui direto às entrevistas com Rubem Alves e Valter Hugo Mãe. De Rubem: “As crianças já começam a ser moldadas para passar no vestibular, que é a ideia que passou a ser dominante na nossa educação”. E: “Os pais são os maiores inimigos da educação porque não sabem o que ela é”. Um tema para ser discutido. E não faltou a referência, na entrevista, a Nietzsche, o que não é novidade para quem conhece minimamente o discurso de Rubem.
De Valter: “Acredito que quem não lê tem como que uma cabeça menor. É como decidir ter um pensamento mais limitado, uma vida mais limitada”. Na mosca. No original, ele disse ‘cabeça mais pequena’, que troquei por ‘menor’ para que os intelectuais de plantão não me chamem ignorante por tabela. E: “Importa-me pensar na minha vida como um lugar de passagem em que posso deixar uma melhor herança.” Frase recheada de espiritualismo, espirituosidade. Ambas vão para o baú de guardados.
Bruno estudando a tabela periódica, Leonardo se divertindo com a língua portuguesa.
No sonho, eu começava a organizar um grupo de estudos sobre Kafka, com base no livro de Rozsas, que a esta hora provavelmente repousa em uma das estantes do Mercado.
Saracoteando na Biblioteca, vi que Abdias e Incidente em Antares permanecem na fila para doação. Pobrezinhos, pularam de alegria quando me viram. Boa sorte, crianças, e que alguém os adote rapidamente, e seja bonzinho com vocês.

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Livre é quem não tem rumo (Manoel de Barros)

Uma trabalheira para organizar a agenda cultural de março e abril. Muita coisa. Há pouco Malosti me pediu poemas para um Varal em homenagem ao Dia da Mulher. Declinarei do convite para o lançamento do livro sobre Brito Broca em Guaratinguetá, no dia nove (Simone tem evento na Escola). Eleição do Conselho de Cultura no dia sete. A palestra, no final do mês. A Exposição a partir do dia doze. Bom assim.

E ainda tenho tempo para começar a escrever um novo livro, A História de Cascalho.

Na próxima edição do jornal, tardiamente informarão o lançamento do Sandálias, de exíguos vinte exemplares restantes.

Os meninos brincam de luta no quarto. Intervenho: só não vale fratura exposta e homicídio doloso. O resto, está liberado. Riem e pedem explicações.

O Ano de 1993, escrito por Saramago em 1987, poeticamente deslumbrante, é minha aventura de final de mês.

Esta semana, iniciar a divulgação do Monteiro Lobato. Da solo, de novo.

Não pagamos o IPVA e nem o Seguro Obrigatório. Sem viagens de carro, por enquanto.

LAC está doente. Ofereço-lhe um pouco de dinheiro e alguma amizade. Mas ele não responde.

Renata chora enquanto conversamos, diz ela que de saudade, enquanto falávamos do Sandálias. Conta de projetos que está preparando, em sua escola, sobre Poesia. In bocca al lupo, prima querida.

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Como conhecer as coisas senão sendo-as? (Jorge de Lima)

Inspirado pela Folha, tasquei logo o artigo da prõxima edição do jornal. Dividi em três partes: o fato de que o número de concluintes do ensino superior estar baixando, apesar dos "esforços" do goberno; a sofrível posição do Brasil no teste que avalia a porcentagem bruta de habitantes con ensino superior (pouco mais de 30%, contra 59% do Chile e 63% do Uruguai; e a homenagem tardia a Vitor Cunha, o estudante carioca que intercedeu por um mendio que estava sendo agredido por um grupo, e acabou ele espancado e tendo que implantar sessenta e três pinos no rosto -um quase incógnito herói do nosso tempo. Como a próxima edição só deve sair dentro de umas três semanas, tudo indica que o texto vai sofrer alterações. Ou, dependendo do andamento das coisas, acabar nem saindo.

Fomos, eu e Bruno, a pé até Abernéssia comprar o jornal e doar livros no Mercado. Fiz mal, pois senti dores depois. No pé e na cabeça.

Corro a vista pelas estantes, e nenhuma leitura me estimula. Passados a Pedra Bonita, a Farsa da Boa Preguiça e a historinha do Kafka, penso em um autor latino. Ou Scliar, Verissimo, Cony, Nava, Jorge, Drummond...

Alguém me pergunta por que é que eu não falo sobre Jorge Amado ou Carlos Drummond de Andrade. "Porque eu vou falar de Ariano Suassuna". O da Compadecida? "Sim, e o da Pedra do Reino, do Santo e a Porca, do Casamento Suspeitoso...". Inesquecível a ocasião em que, da mesa de direção dos trabalhos na Academia, botaram o nome do homem de Ariano Sussuarana...

Jamais imaginei que em um caderno denominado Mercado, que raramente folheio por tratar de economia e finanças, encontraria uma crônica sobre as belezas da lua, a falar, entre outros mais populares, de Catulo da Paixão Cearense. O autor, Roberto Rodrigues, foi ministro da Economia sob a mão de Macunaíma e é professor de Economia Rural na UNESP, em Jaboticabal. Diferente, pode-se dizer.

Na Ilustrada, Clarice Lispector e Pedro Nava. E uma frase de um tal Hartley: "O passado é um país estrangeiro; lá, as coisas se fazem de modo diferente" Nada que me anime. Nem para ler o Baú de Ossos. O artigo de Drauzio Varella, "Superpopulação carcaerária", promete, para antes de dormir.

De Fernando Rodrigues, "A Erosão do Estado", sobre um caso de criação de empregos-fantasma (a vaga era de 'representante territorial de cultura') no governo estadual da Bahia, do PT: 'A novidade agora é a sem cerimônia de tentar dar um ar de legalidade a algo ignóbil. Essa deterioração do Estado tem sido constante e gradual. A volta do país à democracia civil em 1985 não conseguir por um freio nesse péssimo hábito. A chegada do PT ao poder central e em alguns Estados seria uma novidade. Não foi. O fracasso prossegue'.

Continuo sem conseguir me empolgar com o Santos. Hoje, seis a um na Ponte Preta. Mas não consigo mais me ver refletido naquela camisa branca hoje tão colorida de estampas de patrocínios.

Ruy Castro se recupera. Felizmente. 

Falando em Jorge de Lima, mandei um exemplar do livro para União dos Palmares.





sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Só os absurdos enriquecem a Poesia (Manoel de Barros)

Reunião da Academia: muita falta de ânimo e gente sem ideia para apresentar. Serão dois anos de inércia, a julgar pelo que vimos hoje.

Em compensação, a I Exposição de Escritores vai de vento em popa, destarta senhores com mais de cinquenta anos que ainda se deixam levar pelo ego. A parte mais difícil é convencer os expostos a levar um pratinho de salgadinho. Fazer cartaz, release e painel é mole...

Chego a quase vinte escritores. Não sei por que, mas sinto que vai dar samba.

A noite de sexta-feira chega com um cansaço diferente, de trabalhos acumulados. Mas um cansaço bom, de quem se dedica para que tudo saia como deve.

Pobre Franz Kafka, morto aos quarenta e um anos.

Não, não vai dar para ir a Taubaté para mais um evento literário. Scusi, signori, mas meu pensamento está quase embarcando para o Centro-oeste, com uma semana de antecedência.

Não, minha jovem senhora, nós não estudamos juntos na PUC do Rio de Janeiro, que aliás eu nem sei nem onde fica. Inclusive, fui muito pouco ao Rio. E nunca consegui terminar uma faculdade.

Umbanda e espiritismo são coisas diferentes, meu amor. E, até onde eu saiba, não lançam mão de extorsões em nome de Deus.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Escrever o que não acontece é tarefa da Poesia (Manoel de Barros)

Ruy Castro, o escritor especialista em biografias e colunista da Folha, sofreu com convulsão e está internado em um hospital de São Paulo. Ou do Rio, agora já não sei. Mas como doença de escritor não vende jornal nem revista (vide o caso Daniel Piza, completamente ignorado pela maior revista brasileira da atualidade), vou acompanhando o desenvolvimento de seu estado de saúde através de sites de literatura. Ou no da Folha, que de vez em quando dá alguma coisa. Deve sair em breve, nosso Ruy.

Acabei não resistindo e comprei a Bravo! com FHC falando sobre Ruth Cardoso. Me interessa o que tem a dizer o intelectual sobre a mulher, que aliás sempre viveu à sua sombra, mas que acabou por emprestar ao cargo de primeira-dama uma marca de inteligência e academicismo. Para quem já teve Rosane Collor e Marisa Letícia, a botocuda, Ruth foi -e continua sendo- um alento. 

Botei alguns sonetos de GJR no Nova Poesia Brasileira. Confesso que esperava mais dos textos de seu último livro. Este é um blogue, inclusive, que subiu na árvore por mais de uma vez. O último publicado ficou exatos trinta dias por lá, sem comments.

Terça-feira de Carnaval. Fomos, os quatro, ao campo de futebol fazer exercícios leves e andar de bicicleta. Menos eu, que continuo evitando o contato com veículos de duas rodas, ainda mais sem motor. Mas em compensação, boas caminhadas, quase sem dor.

Com a ferramenta inoperante, fica impossível atualizar os blogues.

Hoje, reunião com o pessoal da Biblioteca, para tratar da Exposição.

Comecei –e já estou quase terminando- a leitura de uma biografia romanceada sobre Kafka. Nunca tinha lido nada parecido. Pela falta de profundidade, entretanto, torna-se uma leitura rápida e pouco proveitosa. Aqui e ali, um ou outro dado importante sobre o escritor. Desmitifica também um pouco a imagem sisuda e de sofrimento que o acompanha. Os diálogos são a parte fraca do enredo. A parte boa é que gerou em mim o desejo de (re) ler a Carta ao Pai, que deve me acompanhar quando da viagem a Brasília.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

É a voz que Deus que habita nas crianças, nos passarinhos e nos tontos (Manoel de Barros)

De uma sentada, comecei e terminei a palestra sobre Ariano. Seis páginas. Qualquer dia, quando faltar assunto, registro aqui. Cheguei a sonhar com o paraibano mais pernambucano do Brasil. Fui me embrenhando entre matérias -algumas imprecisas-, entrevistas históricas, resenhas, biografias completas e resumidas, material que estava salvo nos computadores, introduções de livros e ensaios. Saiu bem bom, penso eu, e completo. Imagino que as pessoas sabem pouco sobre o biografado, de forma que se puder transmitir o máximo possível de informações, haverá maior interesse. De quebra preparei um cartaz, que pretendo levar às escolas juntamente com o regulamento do Prêmio Monteiro Lobato de Redação.  Ariano tem frases e conceitos memoráveis, e é uma pena que a maioria das pessoas desconheça. Acaba sendo um desperdício, dado que durante muito tempo se ateve a distribuir seu conhecimento nas universidades do Recife. Uma coisa que eu não falo no texto é sobre o Memorial da Pedra do Reino, construído em Belmonte, Pernambuco, cujo objetivo é atrair turistas e estudiosos. Apesar de uma iniciativa relevante do ponto de vista histórico, não vi importância para constar na biografia. Pode ser que, no meio da apresentação, acabe tocando no assunto, para aumentar quem sabe o tempo. Mas eu dizia das referências de Ariano. Destaquei um trecho do Sermão da Quarta-Feira de Cinzas, do Padre Vieira, que Ariano sabe de memória e citou em uma entrevista à revista Língua Portuguesa, de 2007: "Lembra-te homem de que és pó, e ao pó havereis de retornar. Duas coisas prega hoje a Igreja a todos os mortais, ambas grandes, ambas tristes, ambas certas, ambas temerosas, ambas de difícil entendimento... Uma é presente, a outra é futura, mas a futura os nossos olhos já podem vê-la, e a presente mão a alcança o nosso entendimento... E que duas coisas misteriosas são essas? Sois pó e em pó vos haveis de converter-vos. O pó futuro, o pó em que nos havemos de converter não precisa fé nem entendimento para o alcançar, basta assisti-lo em qualquer sepultura, aberta ou fechada, podereis pela prova de que vos digo. Que dizem aquelas letras que cobrem aquelas pedras? As letras dizem pó, as pedras cobrem pó, e tudo o que ali há é o nada que havemos de ser".  Vejamos o que nos espera em março: eleição na Academia; eleição do Conselho Municipal de Cultura; Palestra no dia 31; Viagem a Brasília, de 02 a 04; Exposição de Escritores Jordanenses, 17; Preparação para o lançamento de Mar de Amares, em abril; Divulgação do Monteiro Lobato de Redação. É coisa muita, digna de alguém que poderia muito bem dedicar-se somente a isto. Atualizarei o Nova Poesia Brasileira, hoje, com Gasparino José Romão, sonetista da melhor estirpe.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Beijamo-nos e pensamos no dia em que deixaremos de nos beijar –sem reparar que o pensamento nos conduz de imediato a esse dia (Inês Pedrosa)

No shopping, em São José dos Campos, para que Simone (lindíssima, em um vestido florido, uma mulher vestida de sol cujas andanças não passam despercebidas por quem lhe cruza o caminho, digna de se entrar em uma canção de Valença) e os meninos assistam, no cinema, a Jornada nas Estrelas em 3D. Compreendem e aceitam, os três, minha opção em ficar de fora da sala e dentro de uma livraria tímida mas razoavelmente boa, onde adquiro por vinte reais o livro "A Trajetória De Um Canto - Patativa do Assaré", de Luiz Tadeu Feitosa, pela Coleção Ensaios Transversais, da Escrituras (2003). Marilei, minha prima do Mato Grosso, gosta muito de Patativa. Na livraria encontrei também os Poemas Coronários, de Cyro dos Anjos, de quem recentemente li o romance Abdias. Consta que essa coletânea de versos foi toda escrita durante um infarto sofrido pelo autor. Bom, terminei o grande Pedra Bonita, de Zé Lins, um livro digno de nota. Para quem, como eu, anda numa fase sertaneja danada, é uma obra e tanto, para ficar marcada na memória -posto que no coração já está. E hoje devo terminar a Farsa da Boa Preguiça, de Ariano, que já me fez rir muito enquanto esperava do lado de fora do cinema. Poucas coisas na vida dão mais prazer a um homem do que se esbaldar com aquilo que gosta. Por isso não condeno os alcoólatras, os que perdem fortunas no jogo, os religiosos fanáticos, os polígamos, os futebólatras. Certas coisas, no homem, não se controlam. E, como eu já havia dito outro dia na coluna do jornal, "vício é vívio".

Falando em coluna no jornal, continuo impressionado com o alcance desse troço. A todo instante me param para comentar o artigo. Até hoje ninguém me parou para contestar nada, mas prefiro recorrer à famosa  máxima de Nelson Rodrigues de que "toda unanimidade é burra". Burra, vá lá, pode ser exagero, mas que a contestação eleva as ideias, isso ninguém discute.

Alguém me pede para escrever no jornal sobre os cães abandonados pelas ruas da Cidade. Como diz Bruno: ah, vá...

De Belém do Pará, o pai de Bento manda notícias sobre os projetos pelos quais já paguei e até hoje nada vi. Algo como Cantos e Contos, ou algo assim. Manda as provas, que aprovo com apenas uma objeção. O nome do conto é "Rachel", e não "Raquel". Já quanto aos poemas, tutto a posto.

Fiz uma brincadeira com alguns nordestinos que trabalham na Empresa e que chegam aqui dizendo que são de Recife e Olinda. Ninguém vem do sertão da Paraíba ou do Piauí, ninguém da Bahia ou de Sergipe. É tudo do litoral, da capital, da "cidade". Pois sim. Qual o problema de se dizer que é de Catolé do Rocha, Piancó, Taperoá, Sousa? Teve uma aí que não gostou. Preconceito por preconceito, como diria Mildes... 


sábado, 18 de fevereiro de 2012

Eu sustento com palavras o silêncio do meu abandono (Manoel de Barros)

Sábado de limpeza no quintal, banho na cucciolina e segunda dose da injeção. Bem melhor, quase já sem dores. Algo curioso se deu: ontem, antes de dormir, li o soneto que Ariano fez em 1980, com mote de Janice Japiassu, e que se chama "A Acahuan -A Malhada Onça", do qual sabia uns poucos versos de cor, e pensei que seria uma boa ideia iniciar a palestra do próximo dia trinta e um de março declamando justamente este poema. De manhãzinha, recém-chegado do sono, o soneto veio-me inteiro à mente, já pronto e decorado. Durante o dia dei umas declamadelas, e está pronto. A introdução da palestra, inclusive, já está pronta. Só resgatei duas revistas, a Entrelivros e a Discutindo Literatura, para ajudar na pesquisa, e tirei da estante a Seleta em Prosa e Verso, a Farsa da Boa Preguiça e a Pedra do Reino, para já iniciar os trabalhos da conferência que se chamará Ariano Suassuna e o Movimento Armorial. Farei alguma divulgação, que propaganda é um troço que costuma funcionar, mínima que seja.

E relendo os originais do Mar de Amares me dei conta que estava inserindo um poema já constante no Sandálias Paternas. Preciso me organizar melhor. Separei sessenta e cinco textos para o Poesia Coxipó, que é o livro do segundo semestre.

Descanse bem, jovem Danilo, primo distante que eu nunca conheci, falecido hoje em Santos de causas até agora desconhecidas. Que sua mãe fique bem.

Passando pela casa velha do Jaguaribe, para pagar o gás, comprar carnes e cortar o cabelo, fui surpreendido por uma vizinha com uma sacola repleta de cartas que o pessoal dos Correios ainda despeja por lá. No meio da papelada, a revista da Academia Mineira de Letras, cinco exemplares da Antologia da Associação dos Escritores de Bragança Paulista, por ocasião do 2. Prêmio Cidadão de Poesia e o Calendário 2012 do Circolo Trentino, que já tratei de dependurar na parede -ainda que o deste ano seja inferior, artisticamente, aos dos anos anteriores.

Ah, sim: sábado de Carnaval.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Eu assisto diariamente à falta de liberdade da vida (Inês Pedrosa)

De tanto assistir a entrevistas de Suassuna no computador e me envolver com a leitura da Pedra Bonita, deu vontade de falar com alguém do Recife. E eis que telefono para Lúcia, com quem falo por cerca de trinta minutos, sobre saúde, poesia, livros, amigos... Ao final, a sensação gostosa de ter feito algo bom. Finda a ligação, volto ao computador, onde encontro uma mensagem de Miguel, da pernambucana Abreu e Lima, para falar do Sandálias. Abílio manda as páginas de teste de sua nova invenção, com textos de alguns autores, inclusive meus, em prosa e poesia. Me surpreendi com a beleza de um deles, falando sobre o rio Coxipó. E me vem a ideia de dedicar o próximo livro à cidade de Cuiabá. Não vai ter jeito: como a dor, por si só e pelos remédios, não se atenua, acredito que terei que apelar à injeção.

A viagem a Brasília, planejada para dois de março, começa a criar forma.

Trinta e um de março: palestra sobre Ariano Suassuna e o Movimento Armorial, na Câmara Municipal, por ocasião da reunião da Academia. Já arrumei sarna pra me coçar, a começar no Carnaval.

O pessoal da Biblioteca quer saber a quantas anda a programação da I Exposição de Escritores Jordanenses. Pois é justamente isto que quero vir a saber, oras. Falaram com a APAE?

Sim, injeção.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

As mulheres sempre amam mais àqueles que menos as amam. Nisso, são iguais aos homens (Inês Pedrosa)

Pedra Bonita é um livro e tanto. Pois veja: na primeira parte, o autor discorre sobre os personagens, suas personalidades, a geografia e os fatos do Assu, lugar onde se passa a narrativa. Sobre os personagens, aliás, vale dizer que sua variedade é tamanha que fica difícil entender como é que podem ter saído da imaginação de um homem só. Agora vamos à segunda parte. Antonio Bento, agora Bentinho, à volta de quem a história se desenrola, é obrigado a voltar para casa durante três meses devido a uma viagem ao Recife feita pelo padre Amâncio por conta de seu ofício. Volta, então, para casa, dezesseis anos após ter sido entregue pelos pais ao padre, para que este o criasse. Bento conhece os irmãos e não se conforma com o desprezo e a indiferença dirigidas a ele pelo pai, Bentão, que passa os dias na rede a alimentar e acarinhar um bode. A mãe Josefina, uma sofredora, tenta promover a harmonia entre o filho recém-chegado (quase padre) e os irmãos Aparício e Domício, que até este momento, é bom que se diga, não se conheciam. Aparício, de temperamento mais arredio, acaba por envolver-se em uma briga que culmina com a morte de um sargento. Passa a ser perseguido pela polícia, é obrigado a fugir e se alia a um grupo de cangaceiros. A polícia vai em sua captura e, não o encontrando, passa a perseguir, torturar e prender seus pais, além de destruir a propriedade onde moram, denominada Araticum. Aparício começa a ganhar fama de cangaceiro violento e sem escrúpulos, à mesma medida em que as sevícias contra sua família aumentam. Domício, de temperamento mais cordato e que se afeiçoou a Bento, desaparece após saber da destruição do rancho e da prisão dos pais, que são transferidos para a cadeia de Assu, onde se encontra sediada o destacamento do Tenente Maurício, que pretende acabar com os cangaceiros. Bento volta para a casa do padre, que já retornou de viagem e consegue interceder pela libertação de Bentão e Josefina, hospedando-os, machucados e assustados, na igreja. Com a mudança do destacamento da polícia para a região, o Assu se transformou, com a incrementação do comércio (inclusive do movimento na rua da Palha, onde fica o prostíbulo) e a chegada de novos negociantes. Aparício surge e vai ter com o irmão na igreja, sem que ninguém saiba. Enquanto estava na Pedra Bonita, Bento e Domício estiveram com um velho do lugar que contou-lhes o que houve quando do derramamento de sangue de inocentes por conta de presença no local de alguém que se anunciou como o Filho de Deus e que traria um novo mundo para o lugar, e que por fim foi traído e delatado por um ancestral dos Vieira, que vem a ser justamente a família de Bentinho, que então passa a compreender por qual motivo o perseguem e espezinham. E assim a narrativa segue, faltando cerca de oitenta páginas para o fim. Agora, a pergunta: onde é que foram parar os escritores desta verve? Por qual motivo José Lins do Rego continua desconhecido pela maioria da população brasileira? Sim, porque quando havia em nosso País escritores deste porte, éramos um povo melhor e mais inteligente...

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Precisamos da tristeza para aprender a olhar para o céu (Inês Pedrosa)

Tenho pensado em voltar a reunir textos para um novo livro, denominado, talvez, Poesia Coxipó, poemas telúricos notadamente sobre Cuiabá e São Francisco Xavier, lugares onde escrevi bastante. Sessenta, sessenta e cinco textos, por um outro selo da Casa do Novo Autor. Ritelisa faria a contra-capa. Depois do Mar de Amares, cujo contrato, pelo visto, extraviou-se, passadas mais de três semanas de envio. Pensarei melhor no assunto.

À noite, Alceu no fone de ouvido, dançando um frevo mancado no meio do corredor, feliz pela diminuição da dor no tornozelo direito.

Um verso de Dailor para os guardados.

Cartas gentis de Inhapi, Nova Friburgo e Brasília. Tem gente que exagera: "sua poesia é de mestre". Ora, vá ver se eu estou na esquina, na falta de algo mais grave para dizer. De Monteiro Lobato, diferentemente dos outros comentários, a coisa veio com um revestimento maior de sinceridade. Eis minha resposta: "Querida Mah, fico feliz que você tenha feito estes comments. Foge do lugar-comum, sabe como é que é? Tem gente que fala que minha poesia "é de mestre". Ah, pelo amor de Deus vá se foder, se o sujeito não tem nada a dizer é melhor ficar calado. Já há algum tempo não me iludo com essa pretensão de me tornar o próximo escritor lusófono agraciado com o Nobel. No fundo, o que eu espero da Poesia é que ela me permita continuar vendo o mundo com olhos que me permitam armazenar ainda uma certa esperança. O fato de ler atentamente meu livro, e ainda comentar sobre ele, para mim, se constitui em uma declaração de amizade, que prezo e me proporciona alegria. Claro que discordo de uma ou outra coisa que você colocou, mas é aí que está a graça do negócio, você não acha? Então, ficamos assim. Outra coisa, não esquece de reservar para mim um exemplar do seu livro. A gente faz uma troca, eu te compro um e você compra o meu depois.  Abraço no seu valoroso pai, e um beijo pra ti".
Recebo um quase-convite para uma palestra na Universidade do Vale do Paraíba, aqui mesmo em Campos. Vou saber hoje, às 18:20h. Furini pede auxílio para trazer pra cá um grupo de artistas plásticos. Advirto sobre os custos, a falta de quórum e a baixa perspectiva de comercialização das obras. Drese vai a Montevidéu, para uma entrevista na TV, e diz que levará a micro-resenha que fiz sobre um de seus livros. A bem da verdade, nem me lembro direito o que é que escrevi.

Trabalho, muito trabalho.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Quantas horas ocupamos a complicar as vidas dos outros, em vez de simplificarmos a nossa? (Inês Pedrosa)

Um domingo chuvoso e frio, ideal para passar o tempo às voltas com ruminações lítero-intelectuais. No mercado com Simone para comprar o frango assado e o guaraná de 2 litros, saquei a Folha. Comprar o jornal de domingo é uma idéia que me assola já há algumas semanas, que hoje pus em prática. Ou por inclinação pessoal ou porque o jornal está extraordinariamente bom hoje, a impressão que tenho é que o investimento de cinco reais valeu a pena. Artigos antológicos, que mais tarde comento. Na minha frente no caixa, um típico turista paulistano vai passando suas compras. Duas garrafas de vinho, queijo coalho para assar e outros tipos de formaggio, água mineral com e sem gás, carvão, duas peças de picanha –sessenta reais cada uma- e lingüiça apimentada. Total da compra: trezentos e cinqüenta e cinco reais, que ele pagou com seu cartão American Express. Atrás de mim, uma dupla de senhoras fantasiadas de evangélicas pobres carregam um pacote de macarrão Adria. Ficamos no meio, eu e Simone, com nosso refrigerante, nosso frango assado, nosso chocolate granulado e a Folha. A fila do supermercado mostra que, sim, nada mudou no quadro da desigualdade social brasileira, apesar de o governo insistir em dizer o contrário.

Ah, sim, os artigos antológicos da Folha de hoje. Vamos lá: Eliane Cantanhêde, “Pequenas Grandes Coisas”, sobre o episódio envolvendo o estudante Vitor Soares Cunha, que intercedeu por um mendigo que estava sendo covardemente espancado por um grupo de jovens robustos e bem vestidos em uma rua do Rio de Janeiro, que largaram o indigente a passaram a espancar o próprio Vitor, mesmo quando este já estava desacordado em face das pancadas ininterruptas recebidas. “Depois de horas de cirurgias, placas de titânio na testa e no céu da boca, 63 pinos para recompor os ossos da face e ainda com o risco de perder os movimentos do olho esquerdo, Vitor saiu com sua mãe do hospital e disse, com uma simplicidade atordoante, que não sentia heróico e que faria tudo novamente. Não podemos nem devemos desperdiçar episódios, personagens e frases assim, fundamentais para reforçar que, além do Estado, dos poderosos e dos ídolos, cada um de nós tem de dar o exemplo e ter responsabilidade diante do país e do outro. Um delas, possivelmente a mais nobre, é a de criar os filhos para o bem”. Sobre este assunto, conversei com os meninos durante o almoço. Enquanto Bruno se absteve de participar da discussão, Leonardo surpreendeu e aceitou o convite para o debate, colocando-o sua opinião com a propriedade de uma criança ainda não totalmente corrompida pelo sistema. Não é o caso, pelo que parece, do seu adolescente irmão mais velho, que preferiu fugir de qualquer posicionamento, ainda que equivocado. A ambos meu mais incondicional amor, e a certeza que é necessário provocar este tipo de debate à mesa, com mais freqüência.

Carlos Heitor Cony, “Hay Gobierno?”, quase na íntegra: “É uma das piadas mais conhecidas: o náufrago chega a uma ilha, é recebido por alguns habitantes locais e faz a primeira e única pergunta que lhe competia: “Hay gobierno acá?” Respondem que sim, há governo. O espanhol, ofegante, declara seus princípios: “Entonces, soy contra!” Se o mesmo náufrago chegasse ao Brasil neste fevereiro de tanto calor, provavelmente receberia uma resposta diferente. Não, não há governo. Ninguém, nem mesmo um náufrago, precisa ser contra. Temos uma presidente digna, capaz, honesta, com popularidade em alta. Temos uma multidão de ministros, ministros até demais. Somando os ministros demitidos com aqueles que ainda não o foram, dá para encher um Costa Concordia, todos sobreviventes e disponíveis para novos encargos de sacrifício cívico. Em termos de formalidade, tudo está nos seus lugares e modos.  O ministro da Fazenda reconhece que a Casa da Moeda é importante. Nomeia para geri-la uma pessoa que ele não conhece nem sabe quem a indicou. Em país assim, nenhum náufrago pode ser contra, pelo contrário, todos são a favor. Aeroportos do país ameaçam privatizados no expediente da manhã, voltam a ser do governo no expediente da tarde. Todos os dias, as TVs oficiais mostram as cerimônias de inauguração e de assinatura de novas medidas ou posse de novas autoridades. Para ser do contra, o náufrago terá de nadar mais um pouco, ir para a Síria ou o Haiti, que é mais perto.” Tosca continua contando com minha simpatia. Credito seus tropeções ao famigerado argumento da “herança maldita”.

Hélio Schwartsman, “Sobre a Alma”: “É quase um bálsamo ver uma autoridade pública assumindo claramente posição pró-aborto, como fez a nova Ministra das Mulheres, Eleonora Menicucci. O argumento central dos antiabortistas é a de que a vida tem início na concepção e deve desde então ser protegida. Para haver coerência nesta posição é necessário introduzir um dogma de fé, o de que o homem é composto de corpo e alma, que a Igreja Católica afirma instilar-se no novo ser no momento mesmo da concepção. Sem isso, a vida humana não teria diferença alguma da dos animais e o cruzamento dos gametas não teria nada de especial. O problema é que ninguém jamais demonstrou que a alma existe e muito menos que se instala no embrião. Na verdade, é difícil conciliar a noção de alma com o que sabemos de biologia. Um bom exemplo é o fenômeno da gemelaridade. Gêmeos monozigóticos se formam entre um e quatorze dias depois da fertilização. A alma, é claro, já estava lá. Cabem, assim, algumas perguntas, Ela também se divide, ou outras almas surgem para animar os demais irmãos? De onde elas vêm? Quem fica com a “original”? Se um irmão peca, manda o outro para o inferno? Ou a alma boa prevalece sobre a má, carregando para o paraíso uma ovelha negra? Se é a noção de alma que sustenta teologicamente a oposição ao aborto, no plano biológico ela só causa confusão. Façam suas escolhas. Eu fico com a biologia”. Aqui não dá para provocar os meninos. A discussão iria fundo demais, e eu acabaria me afogando.

Para encerrar com os artigos, Ferreira Gullar na Ilustrada, “Um Sonho Que Acabou”, sobre suas relações com Cuba: “Como entender a atitude da presidente Dilma Rousseff que, em recente visita a Cuba, forçada a pronunciar-se sobre a violação aos direitos humanos, preferiu criticar a manutenção pelos americanos de prisioneiros na Base Aérea de Guantánamo, o que me fez lembrar o seguinte: um norte-americano, em visita ao metrô de Moscou, que, segundo os soviéticos, não atrasava nunca nem um segundo sequer, observou que o trem estava atrasado mais de três minutos. O guia retrucou: ‘E vocês, que perseguem os negros?’. A verdade é que nem eu nem a Dilma nem nenhum defensor do regime cubano desejaria viver num país de onde não se pode sair sem a permissão do governo”. Brilhante, esclarecedor e algo definitivo, como sói ser. Quem conhece um pouco a história de Gullar sabe a dimensão que toma um artigo como este.

Meu reino por pés desinchados e que me permitam uma caminhada solitária pelas ruas do Morro-Grande, entre uma chuva e outra.

Na intenet, botei lá “Academia de Letras de Campos do Jordão” e a resposta foi o vídeo da posse de Maria Lúcia López, em 2006. Arakaki Masakazu, Pedro Paulo Filho e Celso Marcondes Ferreira em ótima forma e um depoimento de um já moribundo Paulo Dantas. Bons tempos, o de nossa entidade, em uma época de esperanças renovadas.

Ainda na Folha, no caderno Cotidiano 2, em matéria que trata da invasão do Shopping Higienópolis por um grupo que protestava contra o racismo. Chamou a atenção o depoimento de uma cliente do estabelecimento, de 58 anos, arquiteta e de sobrenome italiano: “Achei ridículo. Afinal de contas, esse negócio de racismo onde é que está? Você viu a quantidade de seguranças negros, de empregados?” Desisti de ler o jornal e fui procurar futebol na TV.

sábado, 11 de fevereiro de 2012

A luz de Lisboa só é especial quando chove. Com sol, qualquer cidade é bonita –é como a juventude nas mulheres. Difícil é manter o halo da beleza quando a cinza cobre tudo. É esta a dificuldade que Lisboa ultrapassa, como se nada fosse (Inês Pedrosa)

Não aceitarei assumir a Presidência do Conselho Municipal de Cultura pelo simples motivo de ter declinado, há menos de um mês, do convite para assumir a Presidência da Academia de Letras.  Questão de justiça, nada mais do que isso. Já a delegação da UBT é diferente, pelo simples fato de que a entidade não possui nada em Campos do Jordão, até o momento, e ser necessário implantar tudo, começar do zero. Um professor faz contato por e-mail falando do artigo no jornal e perguntando como fazer para ser membro da Academia. Sugiro-lhe um encontro para um café, e assim podermos falar a respeito. O próximo artigo já está pronto, chama-se “O Copo Está Meio Cheio Ou Meio Vazio?”, e fala do resultado obtido pelos estudantes de quinto e nono anos da Cidade no exame Prova Brasil, do Movimento Todos Pela Educação. Um artigo cheio de porcentagens e dados, que mostra ao final que 65% dos estudantes jordanenses não possuem o conhecimento mínimo esperado nas disciplinas de português e matemática que corresponda à série em que estão matriculados. Seria trágico, se não fosse pelo fato de estarmos melhores que Taubaté, Tremembé, Pindamonhangaba, Ubatuba (terrível, terrível) e Santo Antonio do Pinhal. Ou seja, a situação é mesmo desesperadora, com resultados tão medíocres.  Encerro o texto conclamando os pais e responsáveis a ajudar os professores a fazer de seus filhos pessoas melhores no futuro. Ou pelo menos, que saibam fazer as quatro operações sem grandes dificuldades. Confesso que a descrença, mais uma vez, me incomoda. Estou virando escravo do ceticismo. Volto para a Pedra Bonita.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

É muito mais fácil sermos responsáveis pela qualidade da água e do ar e do solo e não sei mais o quê do que por um juramento de fidelidade. Criamos a era das responsabilidades impossíveis (Inês Pedrosa)

Um dia indimenticabile: dois convites que mudam a vida de qualquer um. Um deles é o mais sério, pois vai diretamente de encontro às minhas crenças e dúvidas mais profundas. O outro, não tão "pesado", mas não menos marcado por alta carga de responsabilidade: assumir a presidência do Conselho Municipal de Cultura. Fui ter com Sérgio Asquenazi a respeito do histórico da entidade,  e a conversa acabou escorregando para autores portugueses contemporâneos. Algo surpreendentemente grande à frente. E aí vai vice-presidência da Academia, delegação municipal da UBT, e agora CMC. Muita cocada para um baiano só, diria dona Neide. Acho que ela tinha razão. Devo pagar pra ver. O menino Antonio se encanta com o violeiro Dioclécio, e por pouco não o acompanha quando este some do Assu.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Poucas coisas dão tanto prazer à espécie humana como apontar os defeitos dos seus iguais (Inês Pedrosa)

A boca fala do que vai no coração, diz a Bible. O Que Te Engana, como diz o poema. A questão é que tenho estado mudo durante muito tempo. Tenho encontrado prazer renovado no registro deste Diário, que começou como uma mera imposição diária para a prática da escrita. Os poeminhas despretensiosos do Sandálias Paternas dizem isto. Feliz foi Mildes: Os Outros Poemas refletem o que tu és, ali estás inteiro. A reconstrução do pai, na parte inicial do livro, é doída demais, segundo ela. Não pretendo nada com este livro, assim como não pretendi com o anterior e tampouco pretendo com os próximos.

Dilma vai dando ao seu governo um caráter cada vez mais técnico, em detrimento do político. E isto é, sim, uma novidade que a distancia ideologicamente de seu antecessor, e empresta ao País a seriedade e o profissionalismo que necessita para ir adiante. Na verdade, ao contrário de Macunaíma, Dilma tem nos dado cada vez mais motivos para acreditar que, ainda que por vias tortas e talvez obscuras, sua chegada ao Planalto foi apropriadíssima.

A greve dos Policiais Militares na Bahia ameaça parar o País. Os policiais do Paraná, Pará, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Alagoas e Espírito Santo ameaçam aderir ao movimento dos baianos nos próximos dias, ou seja, às vésperas do Carnaval. Uma categoria, a bem da verdade, que  ganha salários de fome, sofre imenso preconceito de grande parte da população e da mídia e é desrespeitada diariamente pelos poderes constituídos. Como bem se diz no filme Tropa de Elite, “nunca vi ninguém fazer passeata quando morre um policial”. Tenho minhas ressalvas com relação a esta força do Estado, mas não posso me furtar em me mostrar simpático ao movimento grevista (apesar dos abusos cometidos, como a invasão da Assembléia Legislativa e a tomada, ainda que por pouco tempo, de reféns, inclusive crianças).  Assim como no caso da paralisação dos bombeiros cariocas, que contou com o apoio da sociedade, também os policiais baianos precisam de apoio, e de que suas reivindicações sejam ouvidas. Estrategicamente, a paralisação é exemplar: ocorre no inicio das aulas (que ainda não começaram, justamente por causa da greve) e às vésperas do Carnaval. É sempre bom ver alguém botando os políticos contra a parede.

Com a morte da esposa Carlota logo após dar à luz o quarto filho, a vida de Abdias se transforma profundamente, vindo a atingi-lo uma enorme depressão advinda diretamente de suas crises de culpa por tê-la traído (ainda que não fisicamente, apesar de ter desejado sua morte para que tivesse livre o caminho para ficar com Gabriela).   Aos poucos, a reaproximação com os filhos e a retomada do trabalho e da vida acadêmica reanimam-no, a ponto de se entender que, afinal de contas, terá sido a esposa –agora morta- o único e definitivo amor de sua vida. Leitura recomendada, esta: Abdias, de Cyro dos Anjos.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

O prazer de descobrir gente mais imprestável que nós, isso que alimenta a literatura (Inês Pedrosa)

Já desconfiava que a Pedra Bonita se tratava da mesma Pedra do Reino, do Ariano.  As gravuras remetem. Agora, por volta da página 40, vem a história do “sangue dos meninos derramado sobre a pedra, que é a danação do Assu”.  Certeza, quase. Não pode dar erro, a pedra é a mesma.

Voltamos aos poucos aos velhos hábitos ordinários: Bruno na aula de percussão, depois treino de futebol. A  correria da hora do almoço e do final do expediente.  Cansaço precoce, às dez e meia estamos todos na cama, caindo de sono. Pretendo retomar os exercícios de caminhada e corrida neste final de semana, para aproveitar os dois quilos que a gota me levou.

Não passo de um fescenino incorrigível.

Morreu, no último dia primeiro, a poeta polonesa Wislawa Szymborska, Nobel de 1996. Como foi bem no meio da minha crise, não dei pelo fato. Mas retirei do Painel das Letras, da Folha, o que vai abaixo: o poeta pelo poeta: "O poeta, independentemente de educação, idade, sexo e preferências, permanece no seu coração o herdeiro espiritual da humanidade dos primórdios. Explicações científicas sobre o mundo não o impressionam muito. Ele é um animista, um fetichista, que acredita nos poderes secretos adormecidos em todas as coisas, e está convencido de poder mexer com essas forças com a ajuda de um punhado de palavras bem escolhidas. O poeta pode até ter recebido um ou outro título com distinção e louvor, mas no momento em que se senta para escrever um poema, seu uniforme da escola racionalista começa a pinicar sob os braços. Ele se retorce, bufando, abre primeiro um botão, depois outro, até arrancar a roupa de uma vez, expondo-se diante de todo mundo como um selvagem que leva uma argola no nariz. Isso mesmo, um selvagem. Do que mais se pode chamar uma pessoa que fala em versos com os mortos e os não-nascidos, com as árvores, os pássaros, e até mesmo com abajures e pernas de mesa?"

Um seu poema:


Retornos

Voltou. Não disse nada.
Mas estava claro que teve algum desgosto.
Deitou-se vestido.
Cobriu a cabeça com o cobertor.
Encolheu as pernas.
Tem uns quarenta anos, mas não agora.
Existe --mas só como na barriga da mãe
na escuridão protetora, debaixo de sete peles.
Amanhã fará uma palestra sobre a homeostase
na cosmonáutica metagaláctica.
Por ora dorme, todo enroscado.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Não há homem que não pareça egoísta diante do manancial de amor de uma mulher (Inês Pedrosa)

Pedra Bonita: O padre enceta viagem a Natuba, pé-de-serra pernambucana, para celebrar o batizado do filho de um coronel. Antonio Bento, o coroinha e ajudante-geral da paróquia, o acompanha sertão adentro, no lombo do burro, quatro horas dentro das matas até chegar ao lugar onde nunca falta água. Enquanto isso, a irmã Eufrásia, mexeriqueira que só ela, permanece na casa paroquial em guerra fria com a zeladora. Começa o mistério residente nas entrelinhas: o que terá acontecido, afinal, em Pedra Bonita?
Já Abdias, no livro de mesmo nome, está cada vez mais enrolado devido ao amor que sente pela menina Gabriela. Uma confusão: mente para a esposa, ignora os filhos, sente ciúme dos amigos. Sem contar que sua musa reveste-se invariavelmente de cinismo no contato com ele. Cheiro de tragédia no ar, seo Cyro.

Continuam as mazelas brasileiras. A greve dos policiais militares na Bahia já deixou quase uma centena de mortos matados, ou seja, o famigerado homicídio vai comendo solto na terra de Castro Alves. Depois do desabamento de três prédios na semana passada no Rio, desta vez foi em São Bernardo do Campo que um edifício comercial inteiro veio abaixo. Como estamos em Pindorama, ninguém sabe de nada, ninguém sabe de nada.

Destaque para o texto de Vanessa Barbara na Ilustrada de ontem, sobre o pisado e repisado episódio do Pinheirinho. Manipulações políticas à parte, o questionamento se direciona para o excesso de força utilizada pelas forças do estado. Precisava tudo aquilo, minha gente, precisava?

Hoje é dia de ler um pouco de Dante.

LAC me convida para entrevista no dia 07/04, junto com Seda, no Litteratudo. I’ll try. A outra consulta diz respeito a assumir (assumir não, criar mesmo) a UBT em Campos. Confesso que não me animo...

Não há, em todo o mundo, amanhecer mais belo que o dos Campos do Jordão.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

O amor é uma coisa que começa velha, uma forma de demência que nos leva a concentrar os corpos e os rostos que desejamos num só (Inês Pedrosa)

Otto Maria Carpeaux, 1967: Escrever uma introdução para uma edição de A Divina Comédia significa assumir grave responsabilidade. Pois trata-se do maior poema da literatura universal. O maior? Nietzsche advertiu, certa vez, contra o uso de superlativos: o superlativo sempre provoca protestos. Então, vamos ver os argumentos de quem pretende protestar. Os argumentos seriam, no caso, outros títulos , outras obras consideradas maiores ou, pelo menos, iguais a A Divina Comédia: Ilíada, Odisséia, Dom Quixote, Hamlet ou Macbeth, Fausto, Guerra e Paz, Os Irmãos Karamasov, Ulysses. São obras máximas. Mas cada uma delas, quando comparadas com a obra de Dante, revela certa unilateralidade: representam este ou aquele aspecto do Universo literãrio; mas A Divina Comédia é o Universo literário inteiro. Como pode alguém ter a audácia de abusar da paciência de quem pretende abrir este volume, prendendo-o à portae querer obrigã-lo a ler um prefácio?  

Canto III, almas sendo levadas pelo Aquironte pelo barqueiro Caron:
Blasfemaram de Deus e maldisseram
A espécie humana,  a pátria, o tempo, a origem
Da origem sua, os pais de quem nasceram

Recentemente li, na Ilustrissima, um pequeno conto do canadense Leonard Cohen sobre um casal de adolescentes, cuja incipiente aventura, apenas iniciada, foi interrompida pela chegada da Regra da menina. O menino, que ainda não entendia direito onde é que iam dar aquelas safadezas pueris e inocentes, ficou achando que a tal da Regra (assim mesmo, com letra maiúscula) era uma intromissão divina cujo único intendo era impedir-lhe a felicidade. No final das contas, ele estava certo. Gostei muito do texto, do estilo, da concisão, da clareza (quando a tradução ajuda é uma beleza...), e esta semana a Veja traz uma matéria de página inteira (descontando a foto) de Cohen, ainda que enfatizando o lado intérprete do artista. Porque, tal como Dylan, estamos falando de um poeta que canta. Enquanto encontrava-se interno de forma voluntária em um monastério, Leonard foi literalmente roubado por sua ex-agente, e agora, septuagenário, tem que voltar  à ativa para ganhar o sustento. Interessante, sim, interessante.

Pronto, começou. O azul do entardecer dominical foi-se engrecendo até se estender sobre o outrora verde da cordilheira. A primeira luz, ainda mínima mas já brilhante, surgiu no meio da escuridão. É hora, portanto, de fechar as janelas da Casa.

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Falta-nos um interlocutor desinteressado, alguém que não nos sirva, que não nos utilize, que nos ensine a sair do nosso invólucro produtivo e a entender a gratuita e caótica beleza do mundo (Inês Pedrosa)

Três dias de muitíssimas dores. O latejamento no pé direito que, por vezes, subia até às proximidades da virilha, vindo a gelar as mãos, ferver a cabeça e acelerar o coração. Remédios -um atrás do outro, de hora em hora. Falta ao trabalho, coisa que detesto. Febre, diarreia, ânsias. A coloração escura da química a tingir de preocupação a urina e todos os líquidos que o organismo excreta. Isto foi na quinta. No sábado, foi melhor: deixei de praticamente me arrastar e passei a mancar acentuadamente, pendendo para o lado da dor e não da fome, como disse no poema. Guardei muitos gritos de dor. Num fim de tarde radioso, onde até seria um pecado a gente permanecer em casa, fomos ao sorvete do Mercado. Impossível estacionar bem na Abernéssia, mesmo aos sábados à tarde. Hoje, domingo, uma espécie de re-entusiasmo da vida.

Terminei anteontem, durante meu período de horizontalidade, a leitura de Objecto Quase, a coletânea de contos de José Saramago. Apesar da estranheza que é ler meu romancista preferido (ok, confesso, sou mesmo tiete do velho, assumo a condição e as consequencias) escrevendo textos curtos, concluo que se trata de mais um grande livro. Contos que nada deixam a desejar aos grandes latino-americanos do gênero -incluindo Guimarães Rosa. Eu já havia falado aqui de textos como Refluxo e Coisas, todos muito bons, mas o Centauro, em especial, é de um lirismo incomum, de uma beleza nova a gerar, no leitor, incredulidade, compaixão e até mesmo algum sofrimento. Novos retratos a mostrar de forma repetida o inexplicável flagelo que habita a condição humana. 

Comecei Abdias, do mineiro Cyro dos Anjos, o relato de um professor quarentão, pai de três filhos, bem casado e resolvido, que acaba por se envolver com uma de suas alunas adolescentes. Chego a quase metade da leitura, quase gostando. 

E Pedra Bonita, do Zé Lins, que fica no carro para ler enquanto me submeto aos momentos diários de espera. Só pela apresentação do Buarque de Hollanda (será o Sergio ou o Aurélio?), já valeu. Incrível como, em menos de vinte páginas, o autor já nos apresenta personagens tão marcantes e caricatos: o padre miserável e idealista que passa a mendigar em outras paróquias para manter a sua funcionando, seu ajudante semi-analfabeto e orgulhoso de suas funções, as irmãs carolas, a inimizade entre o Coronel e o Major, a severa zeladora da igreja... Vida longa, também, a José Lins do Rego -que, além de grande escritor, possui ainda o privilégio de ser paraibano.      

E o Canto 1 da Divina Comédia, em uma publicação excelente da Edições de Ouro, com apresentação de Otto Maria Carpeaux e tradução de Xavier Pinheiro (será o mesmo que dá nome a uma rua da Encruzilhada, travessa da Conselheiro Nébias?). Se não me engano, o ano da publicação (nem me lembro das aulas de algarismos romanos) é 1967. Segundo Bruno, que transita com certa tranquilidade no mundo da matemática, é sessenta e sete, mesmo. Satisfaçãozinha tola.

Na TV Escola, um excelente programa sobre a vida e a obra de Lygia Fagundes Telles, incluindo trechos de sua entrevista ao Roda Viva e de sua posse na ABL, se não me engano, em 1985. Ao final, ganha toda a tela seu imenso sorriso, num apelo irresistível, irrecusável convite: "Não deixem que eu morra" -referindo-se, claro, à sua obra.

Pela janela do Quarto-Verde observo que lá longe, para os lados de Minas, a branca cordilheira de nuvens vai perdendo sua luminosidade, o vento vai ganhando hálitos mais frescos e a noite, triunfante, se aproxima do mundo para exercer seu reinado. 

Da carta de Lucia Cardoso, em agradecimento ao envio do Sandálias Paternas: "Um abraço, nordestino como seu pai". Coisas gostosas desta vida, por vezes, desprezível.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Tudo cansa, a salvação ou o paraíso. Tudo se repete. A vida dura cada vez mais tempo, as coisas repetem-se, matemáticas. Quanto mais evidente se torna a repetição, maior se torna a aceleração. A repetição torna-se epidemia, a epidemia instala o pânico e a velocidade. Mais do mesmo, cada vez mais depressa. Sobram-nos as pequenas coisas. Se as pudermos agarrar (Inês Pedrosa)

Deu no Corriere Della Sera de ontem: no Centro-norte da Italia, "neve e gelo -cinco dias de alerta, temperature sotto-zero". Napolitano vaiado em Bologna, pelos indignati que continuam protestando contra as medidas de austeridade anunciadas pelo governo. No caderno de Cultura do Diário de Notícias, a venda de um quadro de Hitler, de 1913, denominado "Noturno Marítimo", na Eslováquia, por 32 mil euros. A tela, à primeira vista, é lindíssima. Eu a teria numa das paredes da casa, tranquilamente.

Na empresa, substituíram meu antigo aparelho celular (que já era de tecnologia bastante aceitável, sem deixar nada a desejar) por uma geringonça chamada, segundo Bruno, de aifone, considerado um dos mais modernos da atualidade. Não sou capaz de elencar todas as possibilidades que me oferece o dito cujo, até porque estou absolutamente convencido que, se mil vidas eu  tivesse, ainda assim não conseguiria fazer uso de todas as funções. Confesso que tive medo dele. Na verdade, acho que ainda tenho.

Continuo decidido a não tomar colchicina. A dor deve passar sozinha.